Arroz-vermelho

Presente nas roças de várzeas e baixadas de várias regiões do território brasileiro, o arroz-vermelho é um cultivo importante desde o início do período colonial. Baseado na mão-de-obra familiar e nas sementes de variedades crioulas, é uma cultura tradicional, que atravessa gerações.

Introdução

O arroz-vermelho é uma gramínea do gênero Oryza, de pericarpo vermelho (a camada, ou película que envolve a parte branca do grão), conhecida e cultivada no Brasil, possivelmente, há mais de 450 anos. Para um grande número de famílias e comunidades de agricultores e guardiões de sementes é um alimento tradicional; um patrimônio cultural e genético preservado através das gerações. 

Seu cultivo se concentra, sobretudo, na região semiárida do Nordeste, nos estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte, com presença também em alguns municípios do Ceará, Pernambuco, Alagoas e Bahia. Em Minas Gerais, é uma cultura que resiste em algumas localidades, sobretudo na região da Serra do Cipó (microrregião de Sete Lagoas), no Vale do Jequitinhonha, Norte de Minas (Itacambira) e alguns municípios da região Metropolitana. Já se estendeu do Piauí até o Rio de Janeiro e o Espírito Santo e, até o início do século XVIII, era parte importante da alimentação e da economia da população do Maranhão e do Pará.

Na Paraíba, onde o arroz-vermelho é conhecido também como arroz-da-terra, a região do Vale do Rio Piancó (uma bacia hidrográfica de solos férteis e estratégico isolamento geográfico), pode ser considerada como um “refúgio do arroz-vermelho cultivado no Brasil”1. O cultivo está presente no território há mais de dois séculos e mantém, ainda hoje, seu caráter familiar e artesanal, além da forte relação com as sementes tradicionais, guardadas e multiplicadas pelos próprios agricultores. Em outra localidade, no Vale do Rio do Peixe, também no estado, o arroz-vermelho cresce lado a lado com variedades comerciais de arroz-branco, introduzidas a partir de programas de incentivo e de pesquisa genética, sobretudo, a partir de 19602

Em muitas das localidades onde o arroz-vermelho é cultivado, o arroz-branco nunca chegou a ser plantado ou, pelo menos, nunca chegou a fazer parte de um cultivo enraizado, baseado na seleção sistemática (e oficial) de sementes de arroz. Foram as famílias rurais, os agricultores, em um processo constante de adaptação, seleção e multiplicação de suas próprias sementes que conservaram, através das gerações, as técnicas de cultivo, os conhecimentos e a cultura imaterial associadas a esse alimento. 

Fora destas regiões tradicionais, o arroz-vermelho é praticamente desconhecido, ignorado pela maior parte da população brasileira; a não ser por agricultores e agrônomos, produtores de arroz-branco em larga escala, para os quais a forma espontânea do arroz-vermelho é considerada uma das piores pragas da lavoura3.  

O arroz foi um cultivo importante no povoamento e fixação das populações no território brasileiro, desde o início do período colonial. Antes da introdução maciça de sementes de arroz-branco, a partir da metade do século XVIII, o arroz-vermelho, ou arroz-da-terra, se encontrava amplamente difundido em algumas áreas do país, dividindo o espaço com espécies de arroz nativo selvagens (o auatií ou abatiapé indígena4). Foi alimento, sobretudo, de povos mestiços, escravizados e imigrantes pobres, presente nas roças de subsistência, nas fazendas, nos quilombos, nas várzeas e baixadas de algumas regiões. 

Com o intuito de privilegiar o cultivo do arroz-branco no Maranhão, destinado ao mercado de exportação, o arroz-vermelho foi banido oficialmente pela Coroa Portuguesa, em 1772, sob ameaça de multas e castigos severos para os infratores. A proibição durou mais de um século, mas a cultura do arroz-vermelho resistiu, se estabelecendo em outros territórios. Se enraizou nos hábitos alimentares de famílias e comunidades que conseguiram conservar, ao longo do tempo, as suas próprias sementes e suas tradições.

A produção do arroz-vermelho está associada à agricultura de sequeiro, onde o plantio é feito em solo firme (podendo ser irrigado em época de seca) e nas várzeas úmidas, ou “baixas de arroz”, com controle mínimo ou ausente da lâmina d’água. O preparo da terra costuma envolver somente a gradagem (quebra dos torrões), feita com o solo seco; o plantio é realizado manualmente, em covas rasas (entre 3 e 5 cm), com uso de enxada ou plantadeira, conhecida como matraca; no início do período das chuvas (de janeiro a março na região, no Nordeste, a partir de outubro ou novembro, no Sudeste).

O arroz-vermelho é colhido manualmente, com auxílio de foices, serras ou facas; a época da colheita depende da variedade e das condições locais5. As plantas são cortadas e empilhadas em feixes, transversalmente às fileiras de arroz, para evitar ao máximo o contato dos cachos com o solo e facilitando o recolhimento para o local de batedura (sova ou trilha). A secagem dos grãos é uma etapa fundamental, realizada, geralmente, em lajedos, terreiros e ambientes similares com a exposição ao sol (até atingirem cerca de 13% a 14% de umidade). Depois de batidos e selecionados (por passagem na peneira, levigação ou outro método), os grãos são ensacados e guardados em ambiente seco e ventilado, separados do solo e das paredes. 

Trata-se de um cultivo, em grande parte, de subsistência, com alto índice de mão-de-obra familiar, sem utilização de insumos (fertilizantes e agrotóxicos) e com base em sementes de variedades tradicionais crioulas (apesar de serem estas, justamente, as características mais ameaçadas dessa atividade). Constitui um ingrediente importante na culinária regional de algumas regiões, sobretudo no Nordeste, onde é valorizado por aspectos culturais e nutricionais e faz parte dos receituários e da medicina popular. 

A cultura do arroz-vermelho é fruto de um vasto conhecimento empírico (associados à utensílios e ferramentas, conhecimento sobre os comportamentos das variedades, formas específicas de cuidado com a terra e de manejo do meio ambiente, entre outros), acumulado ao longo do tempo pelos agricultores, com a reprodução e transformação de suas práticas. Seu cultivo está imbricado no modo de vida das famílias produtoras, como alimento cotidiano, que fornece sustança, energia e recupera enfermos e parturientes. Seus subprodutos (a casca e a película retiradas no polimento dos grãos) são utilizados para alimentar os animais e como adubo.

Gerações de agricultores desenvolveram tecnologias artesanais que lhes permitiram conquistar autonomia na própria subsistência, da produção ao consumo. O beneficiamento do grão do arroz, originalmente, era feito de forma manual, com a ajuda de um pilão. A introdução de descascadeiras elétricas pode ser considerada relativamente recente, adotada em produções maiores, onde há coletivos e associações ou como serviço terceirizado, sobretudo no Nordeste. Para muitos produtores, porém, o processamento manual ainda faz parte do cotidiano ligado ao arroz, seja pelo alto custo de aquisição destas máquinas, que pelo resultado, considerado de melhor qualidade no pilão.

O arroz-vermelho vem conquistando visibilidade, com uma demanda crescente por parte de um nicho gastronômico localizado em grandes centros consumidores do país, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. A maior divulgação de suas qualidade nutricionais e funcionais contribui com esse interesse, como os seus altos teores de ferro e zinco e a ação antioxidante benéfica para o sistema cardiovascular, na prevenção da obesidade e até do câncer. Isso incentivou o surgimento de alguns cultivos nas regiões Sul e Sudeste, baseado em variedades modernas e “alto padrão tecnológico”, por empresas que passaram a explorar essa oportunidade6.

Esse aumento da demanda (que ocorre, sobretudo, no mercado consumidor externo aos circuitos tradicionais e locais) têm o potencial de contribuir com a sustentabilidade do sistema de agricultura familiar e a justa remuneração dos agricultores, desde que a valorização deste alimento se baseie no fortalecimento dos verdadeiros protagonistas dessa cultura (os agricultores familiares e os guardiões de sementes) e garanta a segurança alimentar e nutricional nesses territórios.

Entender a história do arroz-vermelho é compreender o papel de um alimento chave na cultura alimentar brasileira, o arroz, e aprofundar na complexa relação da população com esse ingrediente.

Um pouco sobre o arroz 

O arroz é um dos mais importantes alimentos do mundo, um dos principais grãos cultivados e consumidos pela população, reconhecido pelo seu alto valor nutritivo e relativo baixo custo por refeição7

Trata-se de uma gramínea anual, adaptada a ambientes aquáticos e alagados, em localidades com temperatura média elevada (24 a 30ºc) e alta incidência de luz solar. A duração do ciclo é variada, geralmente de 90 a 140 dias, dependendo da cultivar (ciclos maiores para regiões tropicais e menores para regiões mais secas, como no Semiárido).

A maior parte das populações de Oryza está localizada nas várzeas. As várzeas são terrenos sazonalmente alagados, de origem holocênica (cerca de 11.500 anos atrás) . Existem três tipos de várzeas, todos eles habitats dos arrozes selvagens8: as várzeas de rios ou imediatas aos rios; as várzeas de chuvas, afastadas dos rios, cujas variações de nível dependem das chuvas; e as várzeas de marés, situadas próximos ao litoral, e que oscilam de acordo com as marés.

Aparentemente, a planta surgiu logo no começo da história evolutiva das gramíneas, no Mesozóico (iniciado a cerca 250 milhões de anos atrás), e suas espécies se espalharam pelas regiões quentes e úmidas de todos os continentes9. Das espécies atuais, que habitam a América, África, Ásia e Oceania, apenas duas são cultivadas: a Oryza sativa (vulgarmente conhecida como “arroz asiático”’) e a Oryza glaberrima (denominada popularmente de “arroz africano”’), e surgiram a partir da domesticação de espécies selvagens10. Na América, onde habitam O. glumaepatula (O. perennis), O. alta, O. latifolia e O. grandiglumis, aparentemente, nenhuma domesticação ocorreu11.

Todas as espécies silvestres e cultivadas desse gênero podem apresentar os grãos com os pericarpos vermelhos, sendo esta característica, no caso dos arrozes-vermelhos cultivados, uma herança dos seus ancestrais silvestres12.

O arroz-vermelho mais conhecido no mundo, é a forma espontânea da espécie Oryza sativa, chamada de arroz-vermelho daninho ou espontâneo, considerada planta indesejada e invasora nas lavouras de arroz-branco, pois interfere no padrão comercial desta cultura13.

O arroz-vermelho no Brasil 

Quando os colonizadores portugueses e europeus começaram a adentrar nas bacias dos rios brasileiros, em direção ao interior, encontraram espécies de arroz selvagem ocupando inteiras áreas de pântano e solos alagadiços. Nasciam de forma espontânea nas várzeas e margens dos cursos de água e eram conhecidas por povos nativos que colhiam e consumiam seus grãos, e os usavam como moeda de troca e ingrediente para produção de bebidas fermentadas14. Enquanto isso, na região do litoral, o arroz se estabelecia rapidamente na nova colônia, tornando-se um cultivo difundido, a partir da introdução de sementes trazidas desde as primeiras embarcações que aportaram no continente. 

O primeiro livro escrito sobre o Brasil, de Pero de Magalhães de Gandavo, publicado em 1576, traz um trecho onde se diz que, além da mandioca, “há na terra muito milho zaburro, de que se faz pão muito alvo, e muito arroz, e muitas favas de diferentes castas, e outros muitos legumes que abastam muito a terra”15. Não dá maiores informações sobre as características desse arroz, seu cultivo ou seu consumo. 

A venda de “arroz em casca” no porto de Santos, no período entre 1550 e 1557, aparece publicada nas “Memórias para a História da Capitania de São Vicente”, do religioso e historiador Frei Gaspar da Madre de Deus. O arroz não especificado era vendido a 50 réis o alqueire e “todos se ocupavam na plantação destes dois gêneros (açúcar e arroz, os quais depois foram desprezados pelos modernos com tanto excesso”16. É o próprio Frei Gaspar quem dá notícias sobre a primeira mulher a exercer o cargo de governadora na América Portuguesa, com um papel relevante na introdução das culturas do trigo, do arroz e da laranja em terras paulistanas17

De acordo com Pio Corrêa, a primeira introdução do arroz teria ocorrido em Iguape, Região do Vale do Ribeira, São Paulo, em meados do século XVII18. Também Young (1906 apud OLIVEIRA, 1992) afirma que, nos princípios do século XVII, a produção de arroz na região era relativamente grande. Sua introdução, portanto, foi anterior, possivelmente já nos anos de fundação dos primeiros núcleos de povoamento (São Vicente, em 1532 e Iguape, em 1538).

Alguns anos depois, em 1587, o arroz aparece nos registros de Gabriel Soares de Souza19, que mencionam a introdução e presença do arroz na Bahia, trazido, de acordo com o autor, do Arquipélago de Cabo Verde.

Arroz se dá na Bahia melhor que em outra nenhuma parte sabida, porque o semeiam em brejos e em terra enxuta; como fôr terra baixa é sem duvida que o ano dê novidade [colheita]; de cada alqueire de semeadura se recolhe de quarenta para sessenta alqueires, o qual é tão grado [desenvolvido] e formoso como o de Valência: e a terra em que se semeia se a tornam a limpar dá outra novidade, sem lhe lançarem semente nova, senão a que lhe caiu ao colher da novidade. Levaram a semente do arroz ao Brasil de Cabo Verde, cuja palha se a comem os cavalos lhe faz muito mormo [doença debilitante de equinos], e, se comem muito d’ela, morrem d’isso.

 Sousa, Gabriel Soares de, Tratado descriptivo do Brasil em 1587; p.150.

Naquela época, as ilhas do Cabo Verde já haviam sido ocupadas a mais de um século por colonizadores portugueses e funcionavam como entreposto comercial e estação agrícola para a experimentação de espécies. A presença do arroz e do algodão no arquipélago foi atribuída à área pantanosa de cultivo de arroz na costa da Guiné, segundo relatos de marinheiros apurados por Valentim Fernandes, no princípio do século XVI20. Em 1514, já havia um ativo comércio de arroz nas ilhas e o alimento aparece em listagem de cargas de navios que partiam de Cabo Verde em direção às Américas. Em 1530, apenas 30 anos após a chegada de Cabral, um navio deixou Santiago rumo ao Brasil, carregando sementes de arroz em sua carga21. O arroz servia de alimentação a bordo e era pilado pelos escravos durante a viagem. Esse carregamento foi seguido, nas décadas seguintes, por outras embarcações que entregavam sementes de arroz (provavelmente africano) ao estado da Bahia.  

Tudo indica, portanto, que já nos primeiros anos da ocupação do litoral brasileiro,  sementes de arroz cultivado já haviam sido trazidas e semeadas, com ótimos resultados. Foram plantadas na região de Ilhéus, especialmente em Valença, então subordinada à Vila de Cairu22. A região de terrenos férteis e águas límpidas, começou a ser ocupada por volta de 1535, com a chegada dos primeiros colonos portugueses; uma área de “dilatadas matas”, de onde haviam sido retiradas “muitas madeiras (…) compostas de diferentes qualidades de paus ótimos para construção de embarcações, assim como para a marcenaria, obras delicadas e toda a construção de edifícios”23. Já em fins de 1536, as primeiras naus repletas de madeira de pau-brasil partiam para o reino. Nas décadas seguintes, a área desmatada passou a ser utilizada para o plantio da cana de açúcar, da mandioca, do café, da pimenta do reino, da canela e do arroz24.

Do litoral baiano, o arroz-vermelho parece ter chegado até a região da Chapada Diamantina (Centro-Sul Baiano), subindo através do Rio Paraguaçu, uma importante via de comunicação na época, onde até hoje é plantado por algumas famílias desse território25

Em 1618, Ambrósio Fernandes Brandão, senhor de engenho na Paraíba, concluía o livro “Diálogos das Grandezas do Brasil”, no qual registra que, entre os alimentos de que se sustentam os moradores do Brasil (brancos, índios e escravos), o arroz ocupava o segundo lugar, depois da mandioca. Produzido “em muita abundância à custa de pouco trabalho”, nascia “com facilidade por qualquer parte, e nas terras alagadas, que não servem para outra coisa, se dá melhor”26. Mesmo que para muitos fosse tratado como cultura secundária, “quase por fruta e não mantimento, por acharem a farinha de mais sustância”, o arroz era um cultivo bastante difundido, colhido em ciclos irregulares, durante dois ou três anos sem necessidade de uma nova semeadura27

Escrevendo, provavelmente, da Paraíba (onde chegou em 1586, encontrando um território ainda “coberto de matos”), o autor discorre sobre uma região que corresponde, atualmente, à área ocupada por esse estado e o de Pernambuco, por onde esteve e percorreu. Também o cientista holandês Willem Piso, interessado nas propriedades medicinais do arroz, indica que o cultivo desse grão já era feito em Pernambuco quando os holandeses ocuparam a região, em 163028. Sem detalhes que possam ajudar a compreender melhor as características desse cultivo, estes relatos são indícios de que o arroz acompanhava o estabelecimento das novas populações na região do Nordeste brasileiro. 

A expedição do capitão-mor do Pará, Pedro Teixeira, na descida do rio Amazonas a partir de Belém, em 1639, teria encontrado “pântanos dilatados”, “cheios de arroz de excelente qualidade, como o de Veneza”29. Alguns anos depois, em 1662, o ouvidor-geral do Grão Pará e Maranhão, o português Maurício de Heriarte, em sua obra “Descrição do Estado do Maranhão, Pará e Rio das Amazonas”, menciona o rio Trombetas, “muito povoado de índios de diferentes nações; como são Conduris, Bobuís, Aroases, Tabaós, Curiatós e outros muitos”30. Encontrou no território “lagos grandissimos, onde se cria grande quantidade de arroz sem se semear; é bom, mas algum tanto vermelho por dentro, de que os índios se aproveitam. Fazem dele vinho e contratam com outras nações”31. Mais adiante, navegando o Rio Madeira, encontrou “infinitas aldeias” espalhadas terra adentro. Tratavam-se, segundo Porro (2007), de povos da nação Aruaque, que colhiam arroz silvestre nos lagos, para o uso e o comércio com populações vizinhas. Heritarte descrevia o arroz nativo selvagem, também difuso no Estado do Mato Grosso, nos pântanos do Rio Guaporé e seus tributários, assim como no Rio Paraguai e seus afluentes32. Seus relatos indicam claramente o uso desse alimento por populações indígenas da região. 

Quase um século depois, o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, escreveu: “Todos os rios e ribeiros que se atravessam, continuando a jornada até o Cuiabá, são mais ou menos bordados de palmares, tabocais e diversos arvoredos, assim como as lagoas e as várzeas, semeadas de arroz vermelho e outras gramas33. De acordo com Hoehne (1937), esse arroz era usado na alimentação por “povos lacustres” e “ribeirinhos”, que empregavam para a sua colheita os mesmos modos que o famoso biólogo Carlos Lineu34 observou na África: “Os nativos entram no meio dessas formações com suas canoas, batem as espigas maduras com varas, para os grãos caírem nas mesmas, colhem igualmente aqueles que flutuam sobre as águas”35.

As primeiras referências específicas ao arroz de coloração vermelha, ao que parece, estão relacionadas à espécies selvagens que, durante muito tempo, continuaram sendo usadas pela população nativa e pelos imigrantes mais pobres. Foram alimento fundamental para a sobrevivência em alguns territórios, ignorado pelas pessoas mais abastadas, que importavam arroz-branco para o seu consumo de Portugal36. Pouco mais adiante, os registros históricos que abordaram o arroz-vermelho trazem informações que se referem ao universo do cultivo (portanto não de espécies selvagens, em teoria) o que, considerando a rápida introdução de variedades exóticas no território brasileiro, pode indicar uma possível coexistência de espécies e variedades de arroz nos primeiros séculos da colonização.

Publicado pela primeira vez em Lisboa, em 1624, o livro “Relação Sumária das Cousas do Maranhão”, de Simão Estácio da Silveira, afirmava que na região da Capitania havia muito e bom arroz37. No mesmo período, Frei Vicente do Salvador registra em sua “História do Brazil”, escrito entre 1500 e 1627, que “dá-se também em todo o Brasil muito arroz, que é o mantimento da Índia Oriental”38.

A pesquisa sobre o arroz, empreendida por botânicos e naturalistas estrangeiros no Brasil, tornou-se mais frequente no século XVIII. Coincidia com a necessidade da metrópole em lidar com o abastecimento da população (em especial nas épocas de escassez e fome), mas, sobretudo, com o interesse colonial na exportação de cultivos rentáveis. O arroz, cultivado em solos pantanosos impróprios para a produção de amendoim ou algodão, recebeu enorme atenção, visto que era tido como produção que amenizaria as crises de alimentos39. Presente já nas primeiras roças de subsistência de colonos e de escravos, o arroz brasileiro não demorou a se tornar um produto comercializado em rotas intercontinentais.

Sebastião da Rocha Pitta, em sua obra “Historia da America Portugueza”, publicada em 1730, fornece algumas pistas sobre a presença do arroz no Brasil, mesmo parecendo tratar, de forma equivalente e com alguma confusão, o arroz cultivado e o selvagem:  

É imensa no Brasil a produção do arroz, igual na bondade ao de Espanha, ao de Itália, e melhor que o da Ásia, e pudera servir de pão, como na Índia, se em o nosso clima se não acomodaram os corpos mais à farinha de mandioca, que melhor os nutre; porém continuamente se usa dele por regalo, assim guisado em muitas viandas, como em outros vários compostos. Na província da Bahia os alqueires que se colhem não têm número; são tantos nas dos Ilhéus e do Porto Seguro, que sai para várias partes em sírios [sacos ou fardos], como a farinha. Este grão tem circunstância maravilhosa no Pará, porque, penetrados aqueles sertões, se experimentou que os seus naturais o colhem sem o semearem, produzindo-o naturalmente a terra em dilatadíssimos brejais, com abundância e sem cultura; mas não só para a parte do norte se acha esta singularidade, porque pela do sul, muito além de São Paulo nas novas Minas do Cuiabá, se viu o arroz produzido na mesma forma, e o grão maior que todos os deste gênero. 

 Pitta, Sebastião da Rocha, História da America Portugueza; p.41.

O trabalho de Pitta corrobora com a observação de Heriarte, em 1662, de que no Pará o arroz era apenas colhido e não domesticado, e reforça a existência de arroz no Pantanal. Também nos indica que o arroz cultivado já estava perfeitamente estabelecido na Bahia, quase cem anos depois da sua primeira menção, de onde era exportado para “várias partes”, abastecendo mercados de outras regiões.

José Gonçalves da Fonseca, então secretário do Governo do Estado do Maranhão e Grão-Pará, em 1749, é o primeiro a mencionar, de forma mais clara, as diferenças entre as espécies de arroz cultivadas e selvagens, que encontrou distribuídos de forma abundante ao longo dos rios na região do atual Mato Grosso. Fonseca participou de uma expedição de reconhecimento destinada a explorar a comunicação fluvial entre a capitania do Maranhão e Grão-Pará e o Mato Grosso, através da rota formada pelos rios Madeira, Mamoré e Guaporé. Atravessando com dificuldade as ribanceiras (margens elevadas, barrancos) inundadas, encontraram “muitos continuados capinais de arroz e outras hervas”, que tecidas umas com outras na superfície da água, deixavam “muito estreito passo à navegação”:

O arroz de que aqui se faz menção, e de que há imensidade, não só na mãe do rio mas também pelos seus lagos e pantanais, é produção espontânea da natureza, que depois de sazonado [pronto para colher] costuma ser alimento e juntamente desperdício de vários animais voláteis, por não haver morador que aproveite a sua colheita, para a qual não há necessidade de mais trabalho, do que andar em canoinhas por entre os campinais, que com qualquer movimento largam as espigas os seus casulos [os grãos], de sorte que em breve tempo se desfruta este gênero de seara continuada, com tal frequência que raro era o espaço de caminho em que não houvesse esta providência, totalmente inútil à necessidade da escolta”. 

 Fonseca, José Gonçalves, Navegação… apud Amaral, Luís, História geral da agricultura brasileira no tríplice aspecto político-social-econômico, V.II; p.67-68.

Mais adiante, após alguns dias de viagem, encontrou uma região ocupada por fazendas produtivas, “chamadas dos Pantanaes”, onde se cultivava um arroz em terras altas, não inundadas, de excelente qualidade, que podia ser comparado ao arroz “de Veneza”. Diferente do arroz espontâneo que abundava na região, “produzido pela natureza”, que não agradou o gosto do cronista40.

Em relatos datados do mesmo período, de 1741-1757, o jesuíta João Daniel (que viveu no Pará, na primeira metade do século XVIII), descreve aspectos de distribuição geográfica e outras características de uma variedade de arroz indicada como nativa, de coloração vermelha41:

Com esta mesma abundância [do milho] são as searas [campos cultivados] do arroz, com uma notável especialidade, que duvido se ache em todo o mais mundo, e é que no Amazonas há searas muito extensas de arroz de sua natureza, que em muitas paragens nasce por si mesmo, como em outras nasce a erva e feno. Admiram-se estes grandes arrozais pelo meio dos lagos e rios em águas baixas, onde por si nascem e crescem todos os anos; e do mesmo grão, que vai caindo, renasce segunda seara, e assim se faz perpétuo naqueles lugares. Nasce na vazante dos rios e lagos, e posto que logo tornem a encher, nunca fica alagado, mas vai pulando e crescendo tanto quanto alteram as águas, de modo que sempre, fica superior à mesma água, ainda que esta cresça muitas braças e se conserve por muitos dias e semanas sem diminuição (…); e se houvesse quem aproveitasse essas searas podia encher muitas embarcações (…). Porém, como os índios não usam dele e os europeus são tão poucos, só servem para sustento dos pássaros, especialmente patos, marrecas e muitos outros, e o mais vai caindo nos rios e boiando nas águas; apenas alguns missionários, que os tem ao pé de casa, mandam apanhar algum, quanto lhes baste para provimento de sua casa. Faz-se [cresce] muito depressa, e com a mesma [pressa] amadurece este arroz, de sorte que apenas espiga e deita as barbas, em oito dias ou pouco mais amadurece; é algum tanto mais miúdo que o de Veneza e tem suas praganas [aristas] semelhantes à cevada: é ordinariamente vermelho na parecença, mas quem usa dele sabe a mestria de o fazer não só branco, mas tão alvo quanto o da Europa; e toda a mestria é misturar com ele algumas camisas [palhas] de milho nos pilões quando o descascam, e já sai branco, e quando o querem cozer esfregam-o bem e fica alvíssimo.

 Daniel, Padre João, Tesouro descoberto no Rio Amazonas; p.312.

Desse arroz, segundo o jesuíta, indígenas e brancos não faziam uso e faltavam embarcações para o transporte, para que ele pudesse ser levado para outras regiões42. No entanto, o arroz é consumido por “alguns missionários”, que “mandam apanhar” o suficiente para o provimento “de sua casa”. É possível pensar que quem colhia o arroz sob o mando dos missionários, fosse justamente quem dominava “a maestria” de deixar o grão tão “alvo quanto o da Europa”43. O relato prossegue:

Por isso, os que naquele Estado usam de arroz, como são as comunidades, e poucos outros, usam do arroz de Veneza e dele fazem próprias sementeiras; e são as únicas searas, que fazem separadas.

 Daniel, Padre João, op.cit.; p.312.

Esse trecho traz, pela pela primeira vez, a indicação do cultivo no Brasil de uma variedade de arroz identificada como “de Veneza”. Antes disso, o termo aparecia em comparação com outros grãos locais, sem mencionar se havia um cultivo efetivo no país. Seriam “as únicas searas”, portanto, as únicas sementes deliberadamente cultivadas (separadamente), nos locais que o jesuíta descrevia. 

Mais adiante na obra, o relato retoma à menção ao arroz, indicando que em nenhuma parte melhor que no Amazonas, era possível suprir toda a necessidade do “pão” com esse alimento:

…visto serem as suas terras tão próprias para ele, que por si mesmas, naturalmente, e sem algum cultivo, o estão produzindo todos os anos, como em outras regiões produzem erva, ou feno. Dá-se em lagos, dá-se em campinas, em alagadiços em terra firme, e finalmente em toda a parte se dá tão bem, que cada sementeira se há cuidado em o mundar [limpar] dá duas, ou 3 colheitas como dissemos, quando descrevemos a fertilidade daquelas terras; e ainda há arroz manso, isto é do arroz da Europa, que por ser mais graúdo, e limpo costumam cultivar muitos moradores, se podem fazer searas perpétuas, com são as searas do arroz natural a que chamam para distinção daquele, arroz bravo, só com repetir na mesma terra duas, ou 3 sementeiras, e não lhe deixar crescer mato, nem arbustos, que já dali por diante ficarão terras permanentes, sem necessidade de mais repetir as sementeiras, especialmente sendo em terras bem úmidas, ou alagadas no tempo das cheias. 

 Daniel, Padre João, op.cit.; p.312.

Em seus relatos, o jesuíta parece indicar a presença de, pelo menos, três variedades de arroz: o arroz nativo selvagem (vermelho e “mais miúdo que o de Veneza”44); que poderia ser o mesmo do “arroz natural” (que nasce “naturalmente, e sem algum cultivo”), mas também do “arroz bravo”, (nome utilizado ainda hoje para espécies de gramíneas espontâneas); distintos os dois, por sua vez, do arroz manso (da Europa), que não é claro se se trata do arroz “de Veneza”. Ao mencionar a presença do arroz em terrenos alagados, campinas e terra firme, o autor pode estar indicando (involuntariamente) um ampliamento das áreas naturais de ocorrência do arroz selvagem, com a possível introdução do cultivo de novas espécies e variedades. Apesar de mencionar a produção de arroz “sem cultivo”, o relato deixa claro a existência de um manejo destas culturas, onde os grãos uma vez semeados se tornavam “permanentes”, bastando para isso o cuidado de “limpar” o arroz (provavelmente a retirada de plantas competidoras indesejáveis). O arroz “natural” poderia, possivelmente, se tratar de um cultivo pouco exigente, ou de cuidados sazonais e espaçados; secundário em relação a outras colheitas; naturalizado no território, onde coexistia com outras espécies e variedades. 

A menção ao “arroz-bravo” traz outros elementos para interpretar essas fontes históricas. O Diccionario historico-geographico da província do Maranhão, de Marques, de 1870 (aparentemente citando relatos de Sebastião Gomes da Silva Belfort), descrevendo a região dos Lagos Maranhenses, menciona que todo o lago Tarira “é coberto de um forte tecido de capim à superfície, chamado arroz bravo, e de um arbusto aquático, que com tal união entrelaçam horizontalmente suas raízes, e a tal ponto de consistência, que por cima se anda de pé, impedindo a livre corrente das água, a necessária navegação”45.

O termo arroz-bravo já era conhecido e utilizado pelos portugueses. Aparece em dicionários como nome popular para algumas espécies de gramíneas espontâneas, que ocorrem nas margens dos lagos, represas e terrenos pantanosos, bastante parecidas com o arroz cultivado e consideradas pragas nas lavouras modernas desse grão. Algumas espécies de arroz-bravo são comestíveis e muito usadas como plantas forrageiras (para alimentação de animais), práticas evidenciadas em alguns dos nomes populares como arrozinho, arroz-da-guiana, arroz-do-méxico, camará-de-cavalo, grama-boiadeira e capim-marreca46.

Isso comprova a existência de plantas similares ao arroz, que coexistiram com essa cultura e que foram utilizadas, mesmo que esporadicamente, pelas populações; inicialmente entre os indígenas, que conheciam e manejam as plantas das várzeas e, em seguida, entre os novos habitantes. Para os povos nativos, uma grande diversidade de plantas garantia insumos variados para a alimentação: na produção de bebidas fermentadas, como ingrediente sazonal, de emergência ou terapêutico (parturientes, lactantes, distúrbios intestinais, etc) e como atrativo e alimento para animais, sobretudo aves, capturadas para obtenção de penas, para o consumo da carne e como companheiros “de estimação”. Os primeiros colonos e imigrantes aprenderam com os índios a reconhecer as espécies selvagens comestíveis, a pilar e peneirar os grãos. A chegada dos africanos possibilitou a expansão e especialização dos cultivos, que passaram a ser feitos também em terrenos mais altos (nos vales férteis cortados pelos rios e não só nas várzeas), com a introdução de novas técnicas, já conhecidas por esses povos, além de, possivelmente, novas espécies e variedades. A imposição do trabalho ao qual foram submetidos, garantiu o fornecimento de arroz descascado (manualmente no pilão), para uma parcela mais ampla da população e até para países estrangeiros.

Nos relatos históricos, não é claro se à menção às “searas perpétuas” (onde as plantas rebrotam e se multiplicam a cada ano, propiciando uma nova colheita) indiquem cultivos deliberados ou espontâneos. Mas nada impede que, pelo menos em parte, o arroz “nativo” ou “natural” possa ter sido um cultivo introduzido em tempo anteriores, muito bem adaptado, convivendo com espécies de arroz selvagem (do gênero Oryza, nativos) e de arroz-bravo (nativos alguns, exóticos outros, trazidos misturados a outros grãos e sementes).

Ainda em sua obra sobre os “tesouros” do Amazonas, o padre João Daniel faz menção a técnica usada para o cultivo de alguns alimentos, entre eles o arroz:

…não usam no Amazonas (excepto em algumas partes no domínio espanhol) lavrar as terras, e muito menos cavar. Mas preparado o roçado e queimado, na forma que dissemos, com uns paus aguçados ou com tiras de ferro, nos que já o viam caminhando, e picando a terra, deitam na cova, que vão fazendo, um ou mais grãos (..) se são miúdos (como, por exemplo, o arroz), deitam quantos lhes parecem, muitas vezes mais de vinte, ou em quantos sucedeu pegar, quanto metem a mão no paiol, que levam à cintura, e com a ponta do pé caminhando da mesma sorte cobrem com terra, e fica feita a sementeira.

  Daniel, Padre João, op.cit.; p.15.

O próprio jesuíta, porém, já indicava o aspecto insustentável dessa prática, que permaneceu enquanto duraram as florestas, onde o cultivo era baseado no corte e na queima de grandes áreas de vegetação nativa. Segundo Daniel, as lavouras feitas dessa forma eram trabalhosas e pouco compensadoras, exaurindo os solos no final do ciclo de exploração, apresentando o inconveniente de “avançar todos os anos novos roçados em novas terras, e novas matas, com repetido e anual trabalho que, sendo tão grande, como temos dito, não serve mais do que para aquele ano, e fica perdido para os anos futuros”47

No período em que o padre jesuíta escrevia suas memórias, na prisão em Portugal, o arroz tinha se tornado um argumento frequente nas crônicas e registros administrativos relativos à colônia. Com o objetivo de reduzir a dependência da importação do arroz da Carolina do Sul, a metrópole portuguesa passou a incentivar o cultivo intensivo de arroz-branco no leste da Amazônia, região que já exportava alimentos e matéria prima para Portugal desde o início do século XVIII48:

…todo o cacau, salsaparrilha, arroz, café, couros e madeiras, que vão para o Reino são tirados de suas terras e sertões: porque do Maranhão só se exporta panos, solas, arroz em abundância, couros, algumas madeiras, e o ouro que lhe entra da capital do Piagui”.

 Moraes, José de, História da Companhia de Jesus na extincta província do Maranhão e Pará; p.192.

Como reforça o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, autor do “Diario da viagem philosofica pela Capitania de São José do Rio Negro…”, escrito entre 1783 a 1792, no Pará, antes da introdução do cultivo do arroz-branco, só havia arroz-vermelho: “Nascia espontaneamente nas vargens e terras pantanosas e dele comiam aqueles que não compravam o branco que vinha de Portugal”49. De acordo com o autor, o então governador e capitão-geral teria recebido do Marquês de Pombal a recomendação para que “ainda que fosse vermelho fizesse cultivar em grande, para o sustento da gente pobre”50.

Navegando pela região do Arari, lago das Cabeceiras (Ilha do Marajó, Pará), Ferreira encontrou várias “zonas agrícolas”, famosas por um arroz “mais graúdo”, que pesava “mais que o das outras partes”51. Os lavradores cultivavam o arroz e o transportavam para o comércio na cidade, e as lavouras pareceram ao cronista “ensaios de agricultura rústica”, onde “depois de confiada a semente em um alagadiço, que não tratam depois de ser devorada dos pássaros a maior parte, são no seu tanto copiosas as colheitas”52. Ferreira não pode conter, entretanto, a condenação do sistema seguido por alguns plantadores, provavelmente indígenas, que transformavam a colheita de arroz em bebida53.

Arroz-da-terra

Algumas tentativas haviam sido feitas, até meados de 1755, para se introduzir o cultivo do arroz-da-carolina no Maranhão e no Pará. Mas, apesar da excelente adaptação da planta ao clima e aos solos dessas regiões, houve grande resistência por parte dos lavradores ao seu cultivo. Como protesto, preferiam comer os grãos do arroz-branco ao invés de seminá-lo54

Em 1755, Marquês de Pombal (Secretário de Estado do Reino) institui a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, fundada para desenvolver a agricultura e também a atividade comercial na capitania. Uma instituição com grande volume de capital para investimentos, assim como muitos privilégios régios, entre os quais o monopólio no fornecimento de escravos em toda a sua região de atuação. Desde sua fundação até meados de 1775, a Companhia controlou todo o comércio com o Pará e o Maranhão, dispondo de uma poderosa frota de navios equipados para o transporte e para a guerra. Atuou fortemente na expansão da cultura do arroz e do algodão55, fornecendo embarcações e sementes, apoiando a construção de moinhos de descasque e facilitando a aquisição de mão-de-obra escrava africana. Além do próprio mercado da Metrópole portuguesa, a atividade contava com o comércio intensificado com a Inglaterra, em conflito com sua colônia na América do Norte. Esse mesmo ano, 1755, foi abolida formalmente a exploração da mão-de-obra indigena na Capitania56, intensificando um processo de mudanças na dinâmica social e econômica: 

A maior riqueza dos habitantes ( … ) antes da existência da Companhia consistia na grande quantidade de índios escravos, que lhes iam buscar cacau, café e drogas do sertão. Uma epidemia de bexigas lhes levou muitos milhares dos ditos escravos e, logo depois dela, publicando-se a Lei de 6 de junho de 1755 que deu liberdade aos índios, reduziu os habitantes do Pará à última pobreza e miséria”.

 Carreira, António, A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, v.1; p.63. 

A Companhia facilitou a aquisição de escravos negros, fornecendo crédito e regulando os  preços do comércio. A intensificação da força de trabalho ampliou o cultivo do cacau, do café, do arroz e do algodão, entre outros produtos. 

Atendendo à solicitação do administrador da capitania José Vieira de Souza, em 1765, a Companhia organizou uma distribuição massiva de sementes de arroz-branco da Carolina, novamente na expectativa de que fossem plantadas pelos agricultores maranhenses, mas o resultado foi desencorajador. Além da resistência dos lavradores, que ainda persistia, faltavam os meios para transportar a produção e as estruturas para o beneficiamento (remoção da casca), que era feito, até então, de forma manual, no pilão de madeira.

Em 1766, ainda sob solicitação do administrador, chega à região um técnico de nome José Carvalho, que coordenou os trabalhos para a construção do primeiro engenho de arroz movido à água, construído nas imediações do rio Anil (São Luís – MA). Outros engenhos foram montados, entre eles o de Lourenço Belfort, um irlandes responsável pela invenção de diversos maquinários para o beneficiamento dos grãos. Em 1767, partiam exportações experimentais de arroz beneficiado para Lisboa. O resultado elevou os ânimos e o plantio foi reforçado. Um período de secas intensas, além do ataque de pragas, comprometeu a produção dos anos seguintes, mas a Companhia insistiu para que se prosseguisse no negócio, redistribuindo sementes. A partir de 1770, intensificaram-se a montagem de moinhos de descasque e a difusão de pilões em áreas de produção mais reduzida. As novas colheitas foram abundantes e, em pouco tempo, um grande número de navios de guerra (superior a três dezenas) transportava, anualmente, produtos como a madeira, o sal, o arroz e escravos entre o Brasil e a Europa. Em um período de quatro anos (1770-74), a região do Maranhão exportou mais de 1,5 milhões de toneladas. As exportações de arroz a partir do Pará começaram a ser registradas em 1773, unindo-se às do Maranhão57


Um episódio determinante na história do arroz no Brasil foi a proclamação do bando do Governador da Capitania58, em 1772, que determinava a proibição do cultivo de qualquer outro tipo de arroz que não fosse o arroz-da-carolina, sob pena de pesadas multas e castigos. Com isso, a Coroa Portuguesa pretendia contrastar a resistência dos agricultores e garantir o cultivo do arroz-branco, para suprir a demanda da Metrópole. 

Esta cultura do arroz é de muito empenho de Sua Majestade [D. José I] e que por isso espero que todos os que quiserem mostrar ser bons vassalos se apliquem com excesso à plantação do mesmo arroz, tendo certeza de que poderá ter baixa este gênero, porque por muito que haja necessário. E para que todos saibam o quanto é prejudicial a este novo estabelecimento e ramo de comércio a cultura do arroz da terra ou de outro que não seja o da Carolina, ficam todos os lavradores proibidos do seu cultivo, sob pena de sofrerem: 1. Os homens livres – Um ano de cadeia e pagamento de Rs.100$000 (cem mil réis), sendo metade destinada a obras públicas e a outra metade para o denunciante; 2. Os escravos – Dois anos de calceta com surras interpoladas nesse espaço de tempo; 3. Os índios – Só dois anos de calceta”.

  Dias, Manuel Nunes, Fomento e mercantilismo apud Pereira, José Almeida, op.cit.; p. 35-36.

A Companhia, por sugestão do governador Melo e Póvoas, passou a pagar o arroz em dinheiro e procurou facilitar ainda mais a compra de escravos africanos. Ao mesmo tempo, difundia editais com a notícia de que “todo o lavrador, ou outra qualquer pessoa que tiver do mesmo gênero, e o quiser vender a Companhia, esta pagará”59. Os esforços surtiram efeito e, em pouco tempo, o arroz-branco era exportado em grande quantidade: em 1780, foram registradas as exportações de quase cinco milhões de quilos desse grão60, e algumas fábricas de arroz se achavam “tão cheias que já não havia onde o recolher”61

Essa dinâmica foi responsável por instaurar um sistema econômico e social particular, aparentemente contraditório ao modelo usual das plantations, utilizado nas colônias, que permitia a participação de inúmeros setores da comunidade, e não só os grandes proprietários: 

A facilidade de aquisição dos grãos e a baixa onerabilidade das técnicas possibilitaram a grandes e médios lavradores assim como “qualquer pessoa que tiver do mesmo gênero” o ganho com o cultivo do cereal. Assim, a rizicultura mercantilista parecia estar ao alcance de índios, negros forros e, por que não, de escravos. A perspectiva para aqueles que quisessem investir nesse cereal transformou a rizicultura num possível objeto de retorno financeiro a todo lavrador interessado em vender o seu pequeno excedente de produção.

  Barroso Junior, Reinaldo dos Santos, op.cit.; p.114.

Esse fato contribuiu ainda mais para a difusão da atividade (colaborando para consolidar o arroz como cultura tradicional de pequenas propriedades), mas também para a substituição quase definitiva das sementes do arroz-vermelho pelo arroz-branco, em todo o território do Maranhão.

A Companhia entrou em decadência após cerca de 20 anos de atuação, após ter contribuído para o forte declínio da economia local, em decorrência de uma política econômica totalmente voltada para a exploração de recursos naturais, exportação e monopólio do comércio. A intensificação de conflitos na Europa afetava a periodicidade das rotas marítimas e a demanda por produtos coloniais. O descontentamento dos comerciantes e produtores se agravava com o descumprimento dos acordos pela Metrópole, que feria o “pacto” que garantia a compra da produção da capitania, incapaz de criar as bases para sustentar o desenvolvimento da atividade. A decadência da lavoura do arroz acompanhava o “estado de vegetação dos lavradores”, que se recusavam a trabalhar62

Ao registrar a história e as transformações da cultura do arroz no Maranhão, até a virada do século XIX, Raimundo José de Sousa Gaioso, em sua obra “Compêndio histórico-político dos princípios da lavoura do Maranhão”, publicada em 1818, faz menção ao antigo cultivo do “arroz vermelho chamado da terra”, de fácil produção, que deveria servir de estímulo aos adminitradores para a introdução do cultivo do arroz-branco da Carolina, “de melhor exportação”63.

Para Pereira (2004) o termo arroz-da-terra pode fazer alusão ao sistema de plantio de “terra firme”, no qual esse arroz passou a ser cultivado no Brasil. Mas pode ter sido também uma forma de diferenciar o arroz local, produzido na colônia, do arroz importado trazido de outras regiões64

O historiador maranhense Jerônimo de Viveiros, escrevendo sobre a história do comércio do Maranhão no período entre 1612-1895, afirmava que “todo o arroz produzido no Maranhão era chamado vermelho ou de Veneza, produto nativo, miúdo e quebradiço”65.  Também Marques, autor do “Diccionario historico-geographico da província do Maranhão”, publicado em 1870, indica a que o arroz da terra vermelho era cultivado no Maranhão muito antes da introdução do arroz branco da Carolina. 

O arroz cultivado nesta província desde eras muito remotas era o arroz da terra, vermelho, e geralmente conhecido pelo nome de arroz de Veneza. Com o correr dos anos alguns lavradores, já por seus próprios recursos, e já por instâncias e insinuações do governo, procuraram substituir essa cultura pelo arroz branco, vulgarmente chamado de arroz da Carolina.

 Marques, Cezar Augusto, op.cit; p.28.

Alguns autores, em meados do século XX, afirmaram que as primeiras sementes de arroz-vermelho teriam sido levadas ao Maranhão pelos açorianos e disseminadas entre os lavradores, que davam ao arroz o nome também de arroz-da-terra e arroz-de-veneza.  

Tudo indica tratar-se do arroz vermelho, da terra ou de Veneza, como era chamado, que foi trazido pelos ilhéus dos Açores. Mas sua cultura se desenvolveu apenas até 1766, a partir de quando foi sendo substituído pelo arroz branco da Carolina. Entretanto, esta substituição não foi simples; mas era de maior interesse comercial e, por isso, necessária. Para promovê-la foi preciso que, em 1772, um bando do governador do Maranhão cominasse as penas de multa, cadeia, calçota e surra aos que continuassem na cultura do arroz vermelho da terra em vez do branco da Carolina, único permitido.

 Santos, Corsino Medeiros dos, Cultura, indústria e comércio de arroz no Brasil meridional apud Valentin, Agnaldo, Uma civilização do arroz: Agricultura, comércio e subsistência no Vale do Ribeira (1800-1880); p.11.

A presença de açorianos no Maranhão é um dado de fato, sendo a região das Ilhas dos Açores umas das principais “fornecedoras” de emigrantes para o Brasil nos séculos XVII e XVIII. Todavia, não se encontram fontes que comprovem o possível papel dessas populações na introdução de sementes de arroz-vermelho no Brasil, como confirmado pela extensa pesquisa de Pereira (2002; 2004), e a cultura deste cereal nunca conseguiu emplacar nessas ilhas. No entanto, os açorianos parecem ter se dedicado à cultura do arroz, já nos primeiros anos de adaptação aos novos territórios. Dificilmente poderiam não se envolver de alguma forma nessa atividade, pois ela era um dos pilares básicos do modo de sobrevivência do povo mestiço e emigrado até o momento66. Os Açores podem ter sido também um ponto na rota de sementes que chegaram ao Brasil, em uma das muitas levas que transportaram este cereal.

Em meados do século XIX, portanto, os historiadores parecem concordar que o arroz-vermelho difuso no Maranhão fosse o arroz “de veneza”, citado pelo Padre Daniel há mais de um século antes, como cultivo presente na região67. O termo “arroz de veneza”, ou “venez”, se tornou uma referência popular para designar variedades de arroz-vermelho com características diferentes, como comprova a permanência de nomes populares como “venez-de-arista”, “venez-roxo” e “venez-de-abril”, a partir de sementes que se difundiram e se adaptaram nas mãos dos agricultores, ao longo do tempo. 

A proibição do cultivo do “arroz-da-terra” durou mais de 120 anos e o arroz-vermelho praticamente desapareceu do Maranhão e do Pará, onde se “manteve em níveis de subsistência, escondida nos pequenos plantios na mata, levemente fechada”68. De lá, migrou para outras regiões do Brasil, acompanhando a fixação da população na região do semiárido69.  

Expansão e caminhos do arroz

O território do Ceará recebeu influência direta do Maranhão no tocante ao cultivo do arroz e, em um primeiro momento, passou a cultivar exclusivamente o arroz-vermelho, após a proibição no estado vizinho. Tempos depois, a grande maioria da produção seria substituída pelo arroz-branco70

O arroz-vermelho vindo do Pará e do Maranhão “se encontrou” com o arroz vermelho que subia a partir do litoral, adentrando o território pela região do Iguape (SP), pelo Paraguaçu (BA), nos caminhos das Minas Gerais, no Vale do Rio São Francisco71 e nos vales e sertões do Nordeste. Se estabeleceu no Espírito Santo e no Rio de Janeiro, em cultivos hoje inexistentes ou reduzidos a áreas isoladas em risco de desaparecimento72.

Em sua obra “História das plantas alimentares e de gozo no Brazil”, publicada em 1871, Theodoro Peckolt73 descreve as principais variedades (algumas consideradas hoje, como espécies) de arroz cultivadas no Brasil, as quais acrescentou informações em outra obra, em 1891. Entre elas, estava o arroz branco, da Carolina (conhecido também pelo nome de arroz do Maranhão, arroz de Iguape ou arroz de Maraí, de grãos grandes e muito brancos, adaptado aos terrenos pantanosos, uma das principais variedades cultivadas no Brasil)74; o arroz branco indigena (arroz selvagem ou arroz silvestre, de grãos brancos e casca grossa, que cresce espontâneo nas margens de alguns rios do norte do Brasil, sobretudo no Maranhão); o arroz branco da Bahia (de acordo com o autor, possivelmente uma variedade do arroz do Maranhão); o arroz trigueiro (conhecido também por arroz mulatinho ou arroz mulato, de côr parda-clara, cultivado em terrenos pantanosos na Bahia, Pernambuco e no Rio de Janeiro); o arroz pachola vermelho (ou arroz vermelho das montanhas, principalmente cultivado nas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais,  rico em gorduras e “recomendável aos fazendeiros para sustento dos trabalhadores”75) e, ainda, o arroz pachola vermelho das vargens (que “prospera bem nas baixadas”, vargens alagadas ou úmidas, de grão comprido e fino, riscado de vermelho, pouco amiláceo e seco, que “conserva-se mal, e é muito exposto aos insectos”76). 

O trabalho de Ernesto Young, que se mudou para a região do Iguape na década de 1870, indica que no município ainda haviam “lugares onde anualmente cresce grande quantidade de arroz vermelho sem que pessoa alguma trate de sua cultura, indo somente os moradores próximos cortar alguns cachos quando as sementes estão maduras”77.

Esta variedade de arroz tem grande semelhança com o arroz nativo, não somente pela sua persistência em terreno sem cultura, como também na forma de sua florescência e conservação da vitalidade da semente até a época própria da germinação. (…) [as] sementes suportam melhor a umidade e o calor sem germinarem até a estação apropriada (…) As cascas da semente não apodrecem tão rapidamente como as das variedades cultivadas78. As sementes estão muito mais seguras nos cachos. Os talos não secam em tão pouco tempo e, ainda depois de secos, não quebram facilmente, mas, sim, dobram, deixando os cachos pendentes durante muito tempo antes de caírem no chão (…) havendo, às vezes, de sessenta dias entre a data do aparecimento dos primeiros cachos maduros e os últimos”.

 Young, Ernesto Guilherme, A cultura do arroz Oliveira, Giancarlo Conde Xavier, op.cit.; p.23-24.

Young assistiu o declínio da economia do arroz em Iguape, que havia prosperado até a segunda metade do século XIX, com grande número de engenhos para o descasque dos grãos e numerosos contingentes de mão-de-obra escrava nas plantações. A “época de ouro” da economia regional se baseou no uso de sementes de arroz-branco, concentrada na produção ao redor de Iguape e Cananéia. O arroz-vermelho, possivelmente, fez parte dos cultivos iniciados pelos escravos e quilombolas ainda no século XVII, perdido ou abandonado a uma cultura secundária e semi-espontânea, até desaparecer. Talvez ainda faça parte do patrimônio silencioso de alguma família de produtores da região, ou da memória de algum descendente de quilombolas ou de tropeiros. 

De Iguape, o arroz-vermelho pode ter migrado para a região de Minas Gerais, com o descobrimento do ouro no final do século XVII, que atraiu a maior parte dos moradores iguapenses “para as ditas Minas”79. Tratavam-se de exploradores, negros escravos, indígenas e mestiços, que já haviam experimentado o cultivo do arroz no litoral, e que mantiveram um fluxo intenso de contatos entre as duas regiões, estabelecendo na costa norte paulista uma rota de saída das riquezas das Minas para à Metrópole portuguesa80.

Arroz-vermelho em Minas Gerais

O naturalista francês Saint-Hilaire, percorrendo algumas regiões de Minas Gerais no período entre 1816 e 1822, informa que o arroz era um cultivo difundido em todo o território, principalmente nas proximidades de Ouro Preto, então capital:

Na zona florestal e oriental da província das Minas cultivam-se duas espécies de arroz barbudo, uma branca e outra vermelha, que, ambas, apresentam a imensa vantagem de não carecerem de terrenos inundados. O arroz se planta muitas vezes no mesmo campo que o milho; mas então dá-se adiantadamente certo tratamento à terra, e das duas espécies de grãos é o arroz que se semeia em primeiro lugar. 

 Saint-Hilaire, Auguste de, Viagem pelas províncias de Rio de Janeiro e Minas Geraes, Tomo I; p.207-08.

A mesma informação foi registrada por Debret, talvez com base em Saint-Hilaire, que escreveu que em Minas Gerais: “Vivendo de farináceos, cultivam, além do milho, o feijão-preto e dois tipos de arroz barbudo, um branco e outro vermelho”81. Arroz barbudo é um nome dado em Portugal e Espanha para variedades antigas de arroz cultivado (Oryza sativa), como o arroz-da-terra ou o arroz-de-veneza. Ao que tudo indica, o arroz da Carolina passou a ser conhecido como um arroz sem barbas.

Saint-Hilaire encontrou arroz sendo plantado em localidades próximas a São João del Rey, Sabará e Carandaí, onde se cultivava milho, arroz, cana de açúcar, feijões e se mantinham várias minerações em atividade82. Nos arredores de Paracatu, encontrou terras que “prestam-se a todas as culturas”, onde cresciam a cana-de-açúcar, o milho, o arroz, o feijão e a mandioca, depois de queimadas as florestas virgens ou as matas secundárias “como nas outras partes da província das Minas”83.

Poucos anos depois, o viajante francês Francis de Castelnau, lembrado por Frieiro (1982) ao entrar em Minas pela fronteira fluminense, em meados de 1840, notara que o arroz, junto com o milho, formava “quase toda a alimentação dos escravos”. Era plantado em “baixadas planas, não tão pantanosas todavia como as dos Estados Unidos84.

Nesse período, o cultivo do arroz-vermelho já havia se difundido em outras localidades, acompanhando a exploração do território e a fixação das propriedades rurais e dos povoados. Foi plantado por escravos para suprir as necessidades da própria alimentação, assim como a dos demais moradores, sobretudo em casos específicos de enfermidade, fraqueza e no pós-parto. Se tornou uma cultura presente nos quilombos e nas roças familiares, onde, em parte, resistiu.

Por volta de 1950, o arroz-vermelho era conhecido como “arroz mineiro”, em algumas regiões do Brasil85; referência ainda presente, anos depois, em municípios do estado de Alagoas86. De acordo com Hoehne, o “arroz-vermelho”, citado na literatura é “sem dúvida (…) o mesmo que ainda hoje conhecemos como tal ou mineiro”87. Em 1982, pesquisadores da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – Embrapa coletaram amostras de sementes de arroz-vermelho denominadas pelos agricultores de “venez”, “venez-de-arista”, “venez-de-abril” e “venez-roxo” entre as mais de 65 variedades encontradas em cultivos de pequena escala na região da Zona da Mata e no Sul do estado88. Quase 30 anos depois, Pereira e Morais (2014) citam a presença do arroz-vermelho em Piranguinho e Orizânia, enquanto trabalhos recentes avaliam as características de um cultivar tradicional de arroz-vermelho conhecido como “virgínia”, “obtido de pequenos agricultores do Estado de Minas Gerais”, considerado de excelente produtividade e rendimento89.

Em Itacambira, região Norte do estado, o arroz-vermelho ainda é um cultivo tradicional, mantido por cerca de 20 produtores familiares. Os agricultores mantêm variedades crioulas de arroz-vermelho de ciclo longo em terrenos alagados e de ciclo curto em terras úmidas (arroz vermelho casca ou vermelhinho).O plantio se inicia no mês de outubro, na entrada das águas, nos brejos e várzeas úmidas. Ao arroz-vermelho segue o plantio do arroz e do feijão da seca (temporões). A cultura está presente em comunidades como a de Machados (divisa com Bocaiuva), Ribeirão de Areia, Mato Grosso, São Bartolomeu e Capela dos Mangues.

O arroz-vermelho, portanto, sempre fez parte da cultura agrícola de comunidades do território mineiro, como cultivo de subsistência, adaptado às condições de sequeiro em pequenas áreas, mão-de-obra de condução familiar e plantio manual. Passadas várias décadas desde as pesquisas que mencionam a presença desse alimento em algumas regiões, representa uma cultura tradicional ainda viva em algumas localidades. Entre elas, a mais expressiva talvez seja a região da Serra do Cipó.


Arroz-vermelho na Serra do Cipó 

Difícil dizer como o arroz-vermelho chegou até a Serra do Cipó, localizada na porção meridional da Serra do Espinhaço, ao norte da Capital. Provavelmente era um cultivo importante para tropeiros, quilombolas e outros viajantes que se deslocaram para esse território, a partir de áreas anteriormente ocupadas. As várzeas e baixadas do rio Cipó eram certamente conhecidas pelos indígenas que habitavam ou transitavam na região. Assim como as densas matas ciliares e de encostas, cortando os cerrados baixos (com abundantes frutos e recursos) e os de altitude (com arbustos e campos de gramas nativas). A história foge à memória mas as práticas permanecem aderidas ao modo de vida local, transmitido entre as gerações. 

Como toda região onde por onde passaram as rotas da busca pelo ouro, a agricultura de subsistência foi condição constante, intensificada com a maior abundância, assim como após a escassez desse mineral. Os habitantes se dedicavam à criação extensiva de gado vaccum, jumentos, mulas e porcos, produção de milho, feijão, arroz-vermelho, hortaliças, cachaça, extração de madeira e produção de óleo de mamona e de macaúba90.

Os colonos chegaram até a Serra do Cipó pelo vale do rio das Velhas e então pelo vale do rio Cipó, em incursões em busca de metais preciosos. Os “anseios minerários” não foram imediatamente atendidos, mas os vaqueiros logo ergueram suas fazendas, conduzindo ao surgimento dos primeiros arraiais do Espinhaço91.

No final do século XVII, a descoberta de ouro e diamantes ao norte deste território ampliou a população das serras e reforçou os caminhos por onde passavam as mercadorias e os viajantes. Com isso, os povoados da região se especializaram no abastecimento das tropas que circulavam entre as minas e os portos92. Extraiam-se as madeiras de lei das matas, monjolos e sucupiras brancas, para depois queimar o terreno, que se tornaria pastagens e plantios, abrigando as culturas sobretudo do milho, feijão, arroz e cana-de-açúcar93. Os animais forneciam força de trabalho, alimento e matéria-prima para uma série de utensílios fabricados com o couro. Na região que ficou conhecida como Serra da Vacaria (nos pés da subida para o Morro do Pilar, Conceição do Mato Dentro e para o Serro), havia comércio de insumos como o charque entre outros alimentos.

O rio Cipó é formado pelo encontro dos córregos Mascates e Bocaina, em um trecho de planícies e baixadas de meandros suaves, formando vargens e la­goas naturais sazonais e permanentes, boa parte ao interno do que hoje constitui o Parque Nacional da Serra do Cipó, criado em 1984. Na baixada do rio Mascates (ao interno do Parque) e na parte superior do Rio Cipó, logo a jusante, o território é caracterizado pela presença de solos aluviais, florestas e campos de várzea94. Estas áreas alagadas foram amplamente utilizadas para a agricultura, sobretudo do arroz, até meados da década de 80, com a criação do Parque Nacional. Ainda hoje são conhecidas pelos moradores e agricultores mais antigos como “Terras de Arroz”.

Até meados do século XX, havia cerca de 20 casas de pau-a-pique na região chamada de Retiro, ocupadas por núcleos de uma mesma família. Não existiam cercas e os limites da propriedade eram estipulados por meio de marcos paisagísticos95. Os moradores se dedicavam ao cultivo das roças e a criação de animais, que serviam para a subsistência das famílias e como moeda de troca entre os vizinhos e comerciantes, para compra do sal, açúcar, querosene, tecidos, roupas, pilhas e outros itens, que conseguiam produzir. Entre os alimentos de fabricação própria estavam o queijo, a farinha de mandioca, a rapadura, a cachaça, a mandioca, o feijão, a banana e o arroz, além do sabão de coco macaúba, utensílios de barro (com vasilhas, telhas e tijolos de adobe) e artesanatos de palha (como chapéus, além de enchimento para colchão).

Entre as décadas de 1950 e 1960, pesquisadores das áreas de botânica e ecologia vegetal começaram a conceber a proposta de criação do Parque Nacional, motivados pelo maior reconhecimento e valorização da imensa biodiversidade local. O período coincide com o aumento expressivo do fluxo de pessoas na região96.

Na época, a área correspondente ao Parque já havia sido usada intensamente para a agricultura e a pecuária, pelos moradores do Retiro e da vizinhança, situação que se manteve até meados dos anos 70. De acordo com registros contidos no Plano de Manejo – Parque Nacional da Serra do Cipó, após a posse da área pelo IBAMA97, já na segunda metade da década de 1990, continuou-se tolerando a presença de gado bovino, até o final de 200298. Apesar de importante para a cultura e soberania alimentar de várias famílias, a atividade gera um impacto, muitas vezes, irreversível na delicada vegetação dos campos rupestres e campos cerrados, prejudicando a sua sobrevivência e regeneração. 

Com a articulação para a criação do Parque, durante os últimos 30 anos, todo tipo de utilização das terras para a produção de alimentos foi interrompida. Desde 2018, o uso da área foi concedido novamente às famílias, que retomaram o cultivo das hortas de subsistência e a algumas atividades ligadas ao recebimento de turistas e valorização das estruturas, com condições que envolvem a não utilização de agrotóxicos e o manejo sustentável do terreno. 

A primeira safra do arroz-vermelho cultivado dentro do Parna Cipó foi colhida em 2020, ainda de forma tímida, mas garantindo o retorno de uma tradição de grande importância cultural e de proteção da sociobiodiversidade.

Em relatos sobre a atividade no passado, os agricultores do Parque citam a presença das variedades de arroz “canela-roxa” e “arroz-vermelho”, como sendo o arroz “dos antigos”, às quais foram acompanhadas, posteriormente, do “arroz-anão” ou “anão-do-cerrado”. Entre as técnicas utilizadas, o morador conhecido como Peixe, cita o uso de contenções construídas com pedras para encher os leirões de água e impedir o crescimento do mato indesejado, podendo o arroz permanecer até três meses com uma lâmina d’água abaixo da linha das folhas. No momento oportuno, os tanques eram esvaziados, com a retirada das pedras.

O morador e agricultor Zé Antônio cita o uso da folha da goiaba ou do mamão durante o descasque no pilão, para o arroz “não pular”. Essa prática se conecta com relatos do século XVIII, que indicavam o uso da palha do milho para o mesmo fim.

Antigamente, plantava-se o arroz em meados de setembro, para a colheita em maio. Ultimamente, as chuvas “estão atrasando” e são menos constantes e, em 2020, o arroz foi plantado em novembro. A menor presença da água implica em mais trabalho com a capina. Parte das plantas adoeceu, os grãos ficaram “secos, com massa bamba, que vira canjica”, pois “não choveu quando estava barrigando”. Algumas plantas foram comidas pelas capivaras, mas em parte rebrotaram. Apesar disso, o retorno dessa cultura é promissor e os agricultores já estão se articulando para buscar novas sementes com vizinhos e preparar as novas safras.

Dentre os guardiões que ainda preservam e multiplicam as suas próprias sementes de arroz-vermelho, na Serra do Cipó, estão alguns moradores das comunidades do Buracão e Capão do Berto, pertencentes ao município de Jaboticatubas. Nas famílias de Oswaldina e Zé Raimundo, Elza e Luís e de Edivane o arroz-vermelho é um cultivo que atravessa gerações. Os moradores realizam mutirão para o plantio, manejo e coleta, atividades totalmente manuais. Aproveitam terrenos de fertilidade e umidade naturais para o plantio, com sementes pertencentes às próprias famílias ou outros membros da comunidade. A produção é pequena, feita sobretudo por agricultores mais velhos, com o envolvimento dos filhos ou parceiros. A maior parte do arroz é destinada à própria alimentação, com uma parcela comercializada na feira agroecológica Raízes do Campo, de Jaboticatubas.

O arroz-vermelho está presente também na região da Lapinha da Serra, ligada a Santana do Riacho, mantida, sobretudo, pela família do Sr. Álvaro Antônio Domingo, que comercializa, localmente, parte do excedente. O cultivo é pequeno, apesar da grande demanda. A cultura local do arroz está presente também no cotidiano de outras famílias e foi registrada nos versos da canção “A terra” do compositor Vilmar da Lapinha, que fala também das dificuldades e transformações do modo de vida tradicional no território. A grande pressão do turismo e da especulação imobiliária tem causado mudanças profundas no uso e no valor da terra, assim como nas atividades econômicas da população. Os jovens se afastaram do trabalho no campo e passaram a se dedicar à construção civil e ao serviço de mão-de-obra em restaurantes e pousadas. Embora haja o interesse legítimo de cozinheiros e empreendedores que se instalaram na localidade, pelos produtos locais e de interesse gastronômico, como o arroz-vermelho, não há um esforço coletivo de valorizar e fortalecer essas atividades e a alimentação e economia se baseiam, quase totalmente, em insumos e ingredientes comprados em Belo horizonte e Lagoa Santa. 

Assim como na Lapinha da Serra, a produção de alimentos já representou uma atividade de grande importância para toda a região da Serra do Cipó, aliada a criação extensiva de animais. Boa parte da economia, porém, está voltada, atualmente, para o turismo, que movimenta a atividade comercial, a construção civil e o setor de serviços. O impacto destas transformações é visível não só na modificação do meio ambiente (com a supressão da vegetação e impacto no uso da água e do solo), mas também na economia e soberania alimentar das famílias, muitas das quais passaram a adquirir no comércio quase todos os alimentos consumidos.

O arroz-vermelho da Serra do Cipó é um alimento de grande valor cultural, com potencial para colaborar no desenvolvimento sustentável local, aliando o bem estar e a qualidade de vida das famílias com a proteção e o manejo sustentável dos recursos naturais. Para isso, precisa ser reconhecido pelo seu forte valor identitário, nutricional e gastronômico, a partir do conhecimento e dos saberes tradicionais e do protagonismo das famílias, dos agricultores e suas futuras gerações. O grande movimento do turismo e do setor de serviços, que envolve, inevitavelmente, a alimentação, pode ser canalizado para gerar transformações positivas, se for capaz de reconhecer e valorizar os elementos distintivos da cultura própria do lugar.

Arroz-vermelho de Nova União

Nova União é o menor dos municípios no entorno do Parque Nacional da Serra do Cipó, com cerca de 4.138 km2 inseridos na APA (Área de Preservação Ambiental). A população rural se dedica, em grande parte, à monocultura intensiva de bananas (que atende a região metropolitana de Belo Horizonte), além da cana-de-açúcar, em menor escala, e uma forte atividade agropecuária, concentrada em grandes propriedades e áreas de pastagens. Nos últimos 20 anos, acompanhando a imensa diminuição da biodiversidade no campo, o equilíbrio entre população urbana e rural se inverteu, e a maior parte das pessoas vive, hoje, na cidade. 

O cultivo do arroz-vermelho já esteve presente no cotidiano de várias famílias de agricultores, nas baixadas dos dois rios que cortam o território, confirmando a influência e difusão desse cultivo na região ao entorno dessa porção da Serra do Espinhaço. Até poucos anos, ainda havia quem cultivasse pequenas quantidades do grão, para o próprio consumo e, como tradição, para o tratamento de fraquezas, diarréias e na recuperação de parturientes. O plantio é feito em pequenas porções de terra, algumas vezes no sistema da “meia”, com a divisão da colheita entre o proprietário e o agricultor. O arroz podia ser encontrado à venda em um ou outro ponto da cidade, em grande parte em um único armazém, por diligência do dono. 

Essa tradição se manteve ao interno da comunidade de Santo Antônio, em famílias de descendência quilombola, sobretudo pelos agricultores mais idosos. Ao que tudo indica, porém, o cultivo pode estar prestes a desaparecer. O hábito de consumo desse arroz já não faz mais parte da cultura alimentar da população da cidade; o campo foi despovoado e os mais jovens não encontram motivação para dar continuidade à atividade. A difusão e incentivo de práticas agroecológicas; a proteção e regeneração da vegetação e das águas; a busca de alternativas para a pecuária extensiva e o fortalecimento do cultivo de alimentos saudáveis (já com uma boa base de diversificação no município) é uma prioridade urgente para a região. Isso deve ser acompanhado pela valorização e incentivo ao desenvolvimento sustentável da atividade rural, qualificando e envolvendo os jovens de forma ampla e garantindo as condições para que os produtores tradicionais possam viver com qualidade, mantendo as suas práticas e conservando as suas sementes.

Arroz-vermelho no Alto Vale do Jequitinhonha

O Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica – CAV99 registrou no “Catálogo de Sementes Crioulas do Alto Jequitinhonha” parte do património inigualável de biodiversidade protegido por famílias de agricultores dessa região. O casal de guardiões José Olaio e Maria Ceci, da Comunidade do Bigode, em Turmalina, conservam sementes de arroz-vermelho de porte alto e ciclo de 150 dias, que produz vários cachos, soltando perfilhos ao longo da planta. Usam os grãos como alimento e para aves. Também possuem sementes de arroz-pé-de-morro, arroz-de-ouro e arroz-três-meses, todas de porte elevado e boa produtividade. Os guardiões Olímpio Gonçalves e Fortunata Ferreira, também de Turmalina, possuem sementes de arroz de sequeiro, com ciclo de 120 dias e porte médio, e o casal Vicente de Paulo e Maria Nilza, de Veredinha, Comunidade de Porto Velho, são guardiões de sementes do arroz-amarelão. Todas as sementes são usadas na alimentação humana e das aves de criação100.


Arroz-vermelho do Quilombo Cachoeira dos Forros

O agricultor conhecido como Sr. Antônio, morador do Quilombo Cachoeira dos Forros, em Passa Quatro (MG), participou de um encontro com a bióloga Ângela Gomes, no qual escutou a história de sementes de arroz-vermelho que cruzaram o Atlântico escondidas nos cabelos dos povos africanos escravizados. De acordo com o próprio Sr. Antônio, emocionado com o relato, voltou ao terreno onde o bisavô da esposa cultivava arroz-vermelho, assim como o sogro, falecido a cerca de 20 anos. Encontrou algumas plantas carregadas e conseguiu colher um copo e meio de sementes, que plantou, colhendo no ano seguinte, em 2014, trinta litros de arroz. 

Sr. Antônio decidiu cultivar e resgatar essa cultura antiga, plantada a mais de cem anos, somente naquele terreno. Um novo plantio produziu dez alqueires (cerca de 135 litros), dos quais dois alqueires foram plantados novamente, em uma localidade diferente da primeira, e renderam aproximadamente 80 sacos de arroz-vermelho. 

A última safra plantada foi em 2019. Do total colhido, uma parte foi comercializada, chegando a ser vendida por um período curto na banca da Reforma Agrária do Mercado Distrital de Belo Horizonte e uma parte foi distribuída e promovida por iniciativas voluntárias, de amigos e pesquisadores. Entre eles, está um trabalho interessado em discutir inovações socioambientais e mercadológicas, tomando como base a experiência do cultivo do arroz vermelho da Comunidade Quilombola de Cachoeira dos Forros, conduzida por Márcia Paranhos101. Com a movimentação da pesquisadora e a mobilização dos parceiros e da comunidade, novas pessoas se aproximaram, inclusive jovens, e discutiu-se as possibilidades e perspectivas para esse cultivo se tornar um atividade rentável para o coletivo. 

Com a pandemia, as atividades sofreram mudanças, o Sr. Antônio teve que cuidar da própria saúde e o projeto perdeu força, sobretudo diante do agravamento das dificuldades econômicas de muitas das famílias. Os jovens envolvidos passaram a se dedicar à colheita do tomate, cultivo de larga escala nas regiões Central e Sul de Minas Gerais, que absorve a mão-de-obra rural no período da safra. Muitos tentaram se sustentar e conseguir trabalho em Belo Horizonte e outros pólos regionais e voltaram desmotivados.  

Nesse momento, um novo plantio ainda precisa ser feito para garantir a multiplicação das sementes. Amigos e parceiros conseguiram um terreno em doação, que precisa ser preparado. Faltam condições físicas e financeiras para levar adiante essa importante tarefa, que Sr. Antônio resgatou do total desaparecimento. Um trabalho que, desde um tempo milenar, era cumprido com mutirões comunitários e trocas de dias, acompanhado por celebrações, agradecimentos, comidas e outros rituais especiais para a ocasião. 

É importante que Sr. Antônio tenha o apoio que precisa para garantir o plantio, para que continue sendo o guardião das sementes e possa aplicar e transmitir os seus saberes. A continuidade dessa prática, a existência desse alimento, depende de pouco apoio financeiro, mas muito do envolvimento de outros membros da comunidade. O arroz-vermelho precisa voltar a fazer parte da cultura alimentar das famílias do quilombo e a conservação e o cultivo do arroz precisa ser valorizada ao interno da própria coletividade. A perspectiva econômica é real e pode ser um fator de estímulo, em um processo gradual de construção participativa. Na outra ponta dessa corrente, devem estar os consumidores, os coprodutores que apoiarão e se beneficiarão com o acesso a esse alimento. 

Considerando o potencial e a importância, os parceiros, amigos, instituições e representantes do poder público podem se juntar e construir uma rede de apoio, que forneça suporte e ferramentas para os desafios identificados pelos envolvidos e pela comunidade. Podem contribuir para viabilizar e garantir os espaços e locais de trabalho, de cultivo, de encontro, às ferramentas, materiais e infraestrutura necessárias para o funcionamento, voltado para a própria sustentabilidade. É possível pensar ações e atividades para o engajamento dos jovens, que permitam explorar novas ferramentas e viabilize o intercâmbio com experiências similares e transversais, presentes no próprio estado e em outras regiões. Também fundamental, o trabalho com as crianças nas escolas pode envolver atividades culturais e lúdicas, com a valorização do papel das cozinheiras e cozinheiros comunitários. O arroz pode ser motivo de festas, de encontros e de celebrações; pode fazer parte de eventos, projetos e mostras onde os produtores exibirão orgulhosos os seus produtos e contarão as suas histórias. Se houverem sementes e com o justo apoio, o arroz-vermelho do Quilombo pode continuar a florescer. 

Arroz-vermelho dos Vales do Piancó e do Rio do Peixe

O arroz-vermelho representa a quase totalidade do volume de arroz plantado na Paraíba; uma cultura que já chegou a envolver diretamente mais de dois mil agricultores familiares, em mais de 7000 hectares de terras cultivadas. Além da expressiva participação da atividade na geração de emprego e renda para centenas de famílias, o arroz-vermelho é a base da segurança alimentar e nutricional, além de um alimento com profundo significado ao interno da cultura regional.

No território do Vale do Piancó, a produção é inteiramente artesanal, caracterizada pela ausência do uso de insumos (como adubos e agrotóxicos) e mão-de-obra familiar. O cultivo é realizado no início da estação chuvosa, na região dos baixios alagados, conhecidos como  “baixas de arroz” (áreas de várzea dos rios, que se alagam com as chuvas). Alguns produtores utilizam tração de animais para o preparo do terreno, enquanto outros não fazem nenhum tipo de preparação (considerando as plantações familiares de cerca de dois hectares). Não há interferência na dinâmica da água para irrigação, limitando o cultivo às áreas naturalmente úmidas e alagadas. As variedades cultivadas fazem parte de um patrimônio guardado pelos agricultores há, pelo menos, 200 anos, reservadas a cada colheita para o plantio do ano seguinte102.

O plantio é manual, feito em covas com ajuda da enxada ou matraca e os cachos ou feixes são colhidos com o auxílio de serras ou foices. Após a colheita, é realizada a secagem ao sol, geralmente em terreiros, seguida da batedura (ou trilha) e armazenamento. Atualmente, os produtores utilizam sacos de náilon de 60 quilos para guardar o arroz, mas até pouco tempo era comum o hábito antigo de utilizar sacos de palha de carnaúba, abundante na região, capaz de manter as sementes viáveis por até seis anos103. O arroz aguarda, às vezes, até um ano para ser beneficiado, armazenado na casa do próprio   produtor ou na agroindústria de beneficiamento. O arroz “em casca”, na maior parte dos casos, é vendido pelos produtores aos proprietários das “despolpadeiras”, máquinas elétricas que realizam o descasque e o polimento (brunição)104. Por sua vez, estes proprietários vendem o arroz beneficiado para empresas empacotadoras locais (atacadistas), que embalam o produto em sacos de 1 kg com a marca própria e comercializam nas outras regiões do estado, inclusive para supermercados. Parte da produção também é vendida por atravessadores em feiras livres, mercados públicos e armazéns, onde ficam expostos em grandes sacos de nylon, balcões de madeira compartimentados, baldes ou embalagens de plástico105.  

O arroz-vermelho é bastante procurado por consumidores locais, sendo parte da cultura alimentar regional em preparações e receitas consumidas quase diariamente (em alguns casos, mais de uma vez por dias), além de ocasiões de celebração, de convívio e com finalidades medicinais e terapêuticas.

Apesar da importância e profundo enraizamento dessa cultura na região do Vale do Piancó, a produção de arroz-vermelho, nos últimos cinquenta anos, sofreu uma queda de mais de 90% em relação aos períodos anteriores. Por trás dessa impactante transformação estão às secas cada vez mais frequentes na região, mas, sobretudo, o resultado de décadas de desestímulo à produção tradicional e desvalorização do trabalho dos produtores.

Em toda a cadeia produtiva do arroz, os agricultores, que realizam a etapa mais importante para a existência desse alimento, são os que recebem a menor parte do lucro, que acaba nas mãos dos beneficiadores, atravessadores e empresas empacotadoras. Sem acesso a um maquinário próprio para o beneficiamento, os agricultores dependem de terceiros para conseguirem destinar ao mercado a sua produção.

Somam-se a isso, intervenções do poder público e instituições, muitas vezes, insensíveis às reais necessidades dos agricultores, focadas na implantação de um modelo de desenvolvimento empresarial, incorporando insumos externos, engenharia genética, mecanização do cultivo, irrigação artificial, entre outros estímulos que geram apenas dependência tecnológica e financeira106.   

Ações de grande importância foram realizadas em décadas anteriores, envolvendo atores locais e instituições na tentativa de valorizar e promover a cultura do arroz-vermelho do Sertão Paraibano. Relevante ressaltar a compra de parte da produção anual pela CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento), destinada ao abastecimento do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e do apoio pontual de prefeituras locais e secretarias no fornecimento de tratores para o preparo da terra. Em 2007, membros do Slow Food com o apoio de técnicos e colaboradores, participaram da articulação para a criação da Fortaleza Slow Food do Arroz Vermelho do Vale do Piancó, realizando um trabalho de envolvimento dos produtores, de divulgação, intercâmbios de conhecimentos e apoio à comercialização. Durante alguns anos, os esforços geraram um impacto positivo na economia local e no fortalecimento da produção, assim como do aumento da auto-estima dos produtores e na valorização do arroz-vermelho, sobretudo para fora do território. A Fortaleza se desarticulou diante dos desafios, sobretudo, políticos e de relacionamento, mas contribuiu para divulgar e sensibilizar os consumidores, entre os quais, cozinheiros, para a importância e o valor desse alimento. Nada disso seria possível, entretanto, se não fosse a tenacidade dos agricultores e guardiões do Piancó que se recusam a abrir mão de suas práticas e suas sementes, mesmo diante da adversidade do clima e da forte pressão das transformações. 

No ano de 2013, os jornais registravam queda significativa da produção do arroz-vermelho no Vale do Piancó, devido a forte estiagem nos últimos anos, aliada aos altos custos de produção (que inclui a falta de mão-de-obra e de incentivos à cultura) e à quebra da sucessão das famílias107. De acordo com o então presidente da Associação dos Pequenos Produtores de Santana dos Garrotes (PB), devido às dificuldades com a seca, muitas famílias abandonaram suas lavouras em busca de trabalho rural em outros Estados. 

Um levantamento conduzido por Borges et al. (2015) aponta o que seriam “fatores críticos e limitantes” referentes à cadeia produtiva do arroz-vermelho na região do Vale do Piancó, indicando baixo índice de instrução e renda dos produtores; baixa produtividade, baixo índice tecnológico; a dependência total das chuvas, a não utilização de variedades melhoradas; a desarticulação entre os produtores e demais setores da cadeia; a falta de orientação técnica; a inexistência de políticas públicas de acesso ao crédito para a cultura e, finalmente, a baixa autoestima dos produtores. Um diagnóstico com tantos “baixos” resultados pode fornecer algumas indicações importantes sobre o que ocorre na cadeia do arroz, mas está condicionado a uma expectativa, provavelmente, diferente da intenção dos próprios produtores, para os quais o arroz “é tido (…) como uma cultura de autoconsumo e, devido a isso, não fazem investimentos na mesma”108. Ainda de acordo com os autores, a produção do arroz-vermelho na região possui obstáculos que podem ser contornados, com soluções simples e de “baixo” investimento. A atividade tem potencial para “expandir ou adquirir novos mercados específicos”, devido às mudanças nos hábitos alimentares dos consumidores, que passaram a valorizar, dentre outros atributos de qualidade, os “aspectos culturais” por trás dos produtos, pois “a nostalgia que o alimento traz” é uma oportunidade “a favor dos negócios”109

Apesar do enfoque dado à importância cultural desse alimento no território (e fora dele, voltado para “nichos de mercados embasados no resgate dos valores e saberes tradicionais”), as demandas em pesquisa e desenvolvimento indicadas no trabalho reforçam a “necessidade” de aumentar a produtividade através do uso de irrigação, de adubação e de cultivares melhoradas, resistentes à seca; retirando, dessa forma, a base dos “valores e saberes tradicionais” das mãos e do controle dos agricultores, residentes, sobretudo, nas práticas e nas sementes tradicionais que estes conservam. Uma atividade sem a qual não haveria arroz-vermelho na Paraíba e não haveriam as sementes que originaram as variedades “melhoradas” que hoje se “oferecem” aos produtores.

Em 2015, o Governo da Paraíba, através do Projeto Cooperar (uma parceria com investimentos do Banco Mundial) realizou a implantação de oito unidades demonstrativas da cultura do arroz no Vale do Piancó, que foram chamadas de “lavouras da salvação”, fornecendo a opção de cultivo com equipamentos de irrigação na falta de chuvas. Foram implantadas nos municípios de Pedra Branca, Nova Olinda, Curral Velho, Santana dos Garrotes e Itaporanga, beneficiando 133 famílias de produtores, que fazem lavouras de arroz em consórcio com milho e feijão110. O programa realizou uma programação “sistemática” de capacitações e disponibilizou infraestrutura básica e operacional. Alguns agricultores conseguiram instalar poços artesianos e adquirir kits de irrigação, além de equipamentos para colheita e beneficiamento, com a ajuda do projeto. A falta de água é um problema constante, inviabilizando as lavouras, mas entre os desafios indicados pelos gestores do programa estão também a falta de hábito dos consumidores no consumo do arroz-vermelho e a forte influência da indústria do arroz-branco. 

A produção de arroz-vermelho continuou sendo uma das principais culturas do Vale do Piancó em 2017, atingindo, nesse ano, uma área plantada de 635 hectares distribuídas em 15 municípios, com a participação de mil famílias e cerca de 1000 toneladas consumidas no mercado local111. A produção foi 10% menor do que o ano anterior, concentrada em Santana dos Garrotes (com 35% da área plantada na região), Pedra Branca (com 20%) e Itaporanga e Olho D’água (com 10% cada). 

Apesar da expressividade regional, a atividade sofre com os baixos preços do produto praticados no mercado, em detrimento dos agricultores, além da maior ocupação da pecuária em áreas antes destinadas a essa cultura112. Santana dos Garrotes, em 2021, ainda manteve a posição de maior produtor do estado, apesar da safra menor do que as anteriores, devido às irregularidades das chuvas. O município ingressou em um programa governamental de incentivo à produção de algodão orgânico (PAP – Programa de Algodão Orgânico da Paraíba), em parceria com a EMPAER-PB, que fornece sementes e assistência técnica ao agricultor, que entra com a mão-de-obra113. O algodão orgânico tem boa demanda de mercado e é considerada uma cultura promissora para o Vale. Talvez ela aconteça de forma complementar, ou atraia parte dos esforços hoje dedicados ao arroz. 

No território vizinho, no Vale do Rio do Peixe, a segunda maior área plantada na Paraíba, as influências das tecnologias levadas por órgãos do governo se aderiram com mais força, influenciada pela localização geográfica, em geral, mais acessível. A primeira variedade comercial de sementes de arroz-vermelho da Embrapa (BRS 901) foi lançada no município de Sousa, situado neste vale114. Produtores que herdaram dos pais o interesse pelo cultivo centenário do arroz-vermelho possuem, hoje, importantes lavouras, utilizam sementes melhoradas, adubos químicos e herbicidas para o controle de pragas e doenças. Na região situada no encontro do rio do Peixe com os riachos São Francisco e Cupins, quando ocorrem boas chuvas, a água permanece no terreno por vários meses, e é possível obter quatro e até seis safras, vendidas às empresas locais empacotadoras115.

Na comunidade Recanto, no município de São João do Rio do Peixe, o ano de 2020 foi “fantástico para a produção de arroz”, devido a abundância das águas do açude São Gonçalo usadas na irrigação das várzeas116. A perspectiva é de que a próxima safra tenha uma produção ainda maior. Na região de Sousa, no Rio do Peixe, os produtores recebem assistência técnica da Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer), que indica os “três fatores” que contribuíram para o sucesso da safra do arroz-vermelho naquele ano: “as chuvas, as sementes selecionadas e a assistência técnica, mesmo com orientação por sistema remoto [durante a pandemia]”117

A produção com base na agricultura orgânica também cresceu nos últimos anos e tem grandes espaços para se ampliar. Alguns produtores nos municípios de Piancó e Catingueiras já conseguem obter um bom lucro com o produto certificado pelo selo IBD, vendido pelo valor cinco vezes maior do que o convencional, para as redes de produtos orgânicos de São Paulo118. As variedades melhoradas se adaptam bem ao manejo orgânico, realizado com irrigação e adubação com insumos certificados, o que não significa autonomia de produtos da indústria, nem diminuição do uso de água e de energia. No entanto, certamente diminuem o impacto da atividade no meio ambiente, na qualidade do solo e das água, importante mudança que produtores maiores e empresários têm o dever de adotar.

O arroz-vermelho do Vale do Piancó, assim como dos produtores tradicionais das outras localidades da Paraíba, é o fruto de estratégias de convivência com o Semiárido, desenvolvidas por agricultores e agricultoras ao longo de várias gerações; baseadas no uso sustentável dos recursos naturais e do conhecimento empírico sobre o território. Embora as condições climáticas intensifiquem as dificuldades, os maiores problemas da região ainda são de ordem política, social e econômica. É preciso buscar caminhos e soluções que considerem as especificidades locais e que garantam o equilíbrio entre a sustentabilidade ambiental e a inclusão social, assegurando o protagonismo dos agricultores familiares e a sua autonomia. No lugar da promoção de práticas que reforçam a dependência de recursos externos para a produção e a venda, deveria ser reconhecida e garantida, por si só, a imensa contribuição que os agricultores tradicionais realizam como guardiões da sociobiodiversidade, sem os quais não haveriam as bases para a atividade que movimenta, ainda hoje, boa parte da economia regional. 

Arroz-vermelho do Vale do Apodi

A produção de arroz no Rio Grande do Norte está longe de atender a demanda interna da população, que importa, anualmente, mais de 85% do produto consumido, representado pelo arroz “agulhinha” (branco, longo fino, tipos 1 e 2) proveniente da região Sul do país119. O cultivo local responde por cerca de 0,04% da produção total brasileira e 0,5% da produção de arroz do Nordeste. Entretanto, quase toda a produção (mais de 90%) é dedicada à cultura do arroz-vermelho, presente há séculos nas margens do Rio Apodi-Mossoró120.

Até poucas décadas, a atividade mantinha um caráter, predominantemente, artesanal, com mão-de-obra familiar e plantio manual, realizado em pequenas áreas de várzeas úmidas ou terrenos de baixadas, em alguns casos, com irrigação utilizando água diretamente dos rios ou através de poços amazonas (“poços caipiras”). O plantio é feito em duas etapas, uma com a chegada do período chuvoso, de janeiro a março, e outra de junho a agosto.

Por ser uma atividade basicamente de subsistência, a maior parte do arroz é consumida na própria região. O excedente é vendido em outras localidades do estado, além de uma parcela que atende a demanda do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que se fortaleceu com a criação de associações e cooperativas, permitindo o acesso aos instrumentos de comercialização121. Essa iniciativa, apesar dos desafios de curto e longo prazo, permite também que o arroz-vermelho esteja presente na alimentação escolar, assim como em outras instituições públicas, valorizando e dando respaldo à produção e à própria cultura alimentar122.

Muitos agricultores locais adotaram o uso de variedades de sementes comerciais mais produtivas, com assessoria de órgãos e agências de apoio à agricultura e programas governamentais de desenvolvimento regional123. Entre 2009 e 2010 foram boas as colheitas, com a ajuda de um período de condições climáticas favoráveis. Já a partir de 2011, fortes estiagens comprometeram as safras, gerando escassez de água para a irrigação124. Nos anos seguintes, a área plantada do cultivo de arroz reduziu de mais de 50%, com a falta de chuva abalando a confiança de muitos rizicultores125

Mesmo com a colheita reduzida, a venda do arroz garante algum retorno para quem produz, retiradas as despesas com o aluguel das máquinas colheitadeiras, pagas com a própria produção de arroz ao locador126. As prefeituras locais organizam, anualmente, o cadastro para programas de “corte de terra”, com a disponibilização de uma fração de tempo do uso de tratores para o preparo do terreno, atendendo centenas de famílias e comunidades. Mesmo com a produção reduzida à metade, Apodi registrou a colheita de 3 mil toneladas de arroz-vermelho em 2016, seguido do município vizinho, Felipe Guerra, com 221 toneladas127.

Em 2018, o Governo Estadual (por meio do Programa Banco de Sementes da Secretaria Estadual da Agricultura, da Pecuária e da Pesca – Sape) forneceu 30 toneladas de sementes de arroz-vermelho para as associações de agricultores familiares desses dois municípios. As sementes distribuídas são de variedades comerciais, desenvolvidas pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – Emparn, em parceria com a Embrapa, e o investimento para a compra é oriundo do Tesouro Estadual. Técnicos regionais acompanham a distribuição das sementes e todo o processo de cultivo, desde o preparo do solo, plantio, até a colheita128

A ampliação da oferta do arroz no mercado baixou o preço da compra do grão em cerca de 20% em 2017 (foi vendido pelo valor máximo de R$1,10 o quilo), mas com a ajuda das chuvas, os produtores conseguiram reduzir os gastos com a energia elétrica utilizada na irrigação das plantações129. Dessa forma, garantiram uma renda mínima, mesmo com o baixo valor pago ao produto, vendido em grande parte aos atravessadores.

Na contramão das próprias ações anteriores, o Governo do Rio Grande do Norte anunciou, em 2020, a implementação do Programa Estadual de Sementes Crioulas, com a parceria da Articulação do Semiárido (ASA Potiguar), movimentos sociais do campo e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A iniciativa é uma resposta de muitos anos de reivindicações dos movimentos sociais na região130.

Por meio da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Rural e da Agricultura Familiar (Sedraf) e do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do RN (Emater), em parceria com a ASA Potiguar, União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes), Uern (Universidade Estadual do Rio Grande do Norte) e Ufersa (Universidade Federal Rural do Semi-Árido), passaram a ser distribuídas sementes crioulas para os agricultores familiares, compradas diretamente das associações e cooperativas locais e adaptadas à realidade ambiental e social da agricultura familiar potiguar. Entre elas, sementes de milho, feijão, sorgo-forrageiro, gergelim-branco, gergelim-preto, fava e arroz-vermelho. O programa atende, prioritariamente, comunidades tradicionais (quilombolas e indígenas) e assentados da reforma agrária, em todas as regiões do estado, beneficiando 3.375 famílias cadastradas. A intenção é que, pelo menos trinta por cento das sementes, sejam adquiridas de mulheres rurais131.

A abrangência do programa deve dobrar na próxima edição e, para isso, já foram compradas cerca de 100 toneladas de sementes, todas testadas pela Embrapa, que analisa a qualidade física (índice de germinação, pureza, umidade e vigor), além da eventual contaminação por transgenia (para o caso específico do milho). Com isso, uma parte dos agricultores conseguiu retomar o plantio de arroz-vermelho com base em sementes crioulas, o que tende a aumentar. 

Em 2021, mesmo com pouca chuva, a colheita foi boa no Vale do Apodi, superando as expectativas. A alta do preço do arroz-branco nos últimos anos e a manutenção do preço do arroz-vermelho aumentaram a procura pelo produto, o que motivou os agricultores locais a ampliarem o cultivo, não apenas do arroz-vermelho, mas também de “várias espécies” de arroz-branco132. Produtores e empresários, parceiros ou proprietários de empresas de insumos, beneficiadoras e distribuidoras, investem na atividade com a compra de sementes selecionadas e plantios mecanizados em maior escala133

Neste ano, porém, apesar da boa colheita, os produtores reclamam do alto custo dos insumos, incluindo o de agrotóxicos e, principalmente, do alto custo da energia, o que prejudica o retorno econômico da atividade134. A experiência de Apodi mostra que a intensificação da produção tem se baseado, em grande parte, em uma maior utilização de recursos e na dependência de insumos, a começar pela água, hoje garantida pela execução de barragens, poços artesianos e canalização para a perenização dos rios135. Segue-se a necessidade da compras de sementes, mesmo que, no caso dos produtores familiares, de forma indireta, através do financiamento público; de aquisição de adubos e agrotóxicos, investimentos para aluguel de colheitadeiras, energia elétrica para o funcionamento das máquinas, incluindo o descasque, o polimento e a secagem (um paradoxo em plena região semiárida, mas uma realidade no processamento de grandes quantidades nas fábricas). Aos poucos, a produção sai da esfera da pequena produção familiar e se concentra na mão de proprietários e investidores ou, no melhor dos casos, aos pequenos agricultores resta apenas o plantio e o manejo, mas, em todas as outras etapas, se tornam dependentes de terceiros. 

Aos desafios do custo de produção elevado (por conta do alto preço da tarifa da energia elétrica), falta de créditos para “aquisição de máquinas e equipamentos modernos para o plantio, colheita e beneficiamento do arroz” e “baixa capacitação dos agentes da cadeia produtiva”, se somam, de acordo com o relatório da CONAB, de 2015, “a reduzida presença da pesquisa agroecológica e da assistência técnica rural na região”136, realidade que, porém, pode estar passando por transformações positivas.

O cultivo do arroz ainda é uma importante fonte de renda para diversas famílias, mas é, sobretudo, a garantia de manutenção de um alimento com forte presença ao interno da cultura alimentar. No entanto, considerando a grande quantidade de arroz-branco importado de outras regiões, pode-se afirmar que o consumo do arroz-vermelho já não faz parte do cotidiano da maior parte das residências do estado. Um equipe multidisciplinar do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural em Mossoró (EMATER-RN) tem realizado ações voltadas para a valorização dos aspectos nutricionais e gastronômicos do arroz-vermelho, desenvolvendo e divulgando receitas com apelo mais “moderno”, combinando esse alimento com outros ingredientes regionais137. Uma ação relevante, quando focada no consumo, sobretudo, local e regional; iniciativa que também havia sido esboçada, há alguns anos atrás, pelo SEBRAE-RN138

Se o arroz-vermelho perdeu espaço nas mesas da população do Rio Grande do Norte é porque perdeu, também, as condições para se perpetuar enquanto cultura tradicional familiar, de gerações de agricultores que guardam e trocam sementes, que trabalham em mutirão, para semear e colher, que compartilham as dificuldades e os benefícios de um cultivo profundamente enraizado e presente na vida das pessoas. No cenário atual, a dedicação a essa atividade está condicionada, em grande parte, à aquisição de um “pacote tecnológico” do qual os agricultores não possuem o controle nem a autonomia. Com isso, os maiores interessados se tornam os empresários, os donos de beneficiadoras e os demais investidores, nos quais se incluem os poucos produtores que conseguem se adequar às transformações. Os grandes projetos de agricultura empresarial e industrial que avançam sobre o território ampliam as injustiças ambientais e inviabilizam os modos de vida e de produção tradicionais, impondo processos de desterritorialização, definindo desigualdades no acesso à água, contaminando o ambiente e as pessoas com agrotóxicos, gerando insegurança alimentar e precarização das relações de trabalho139.

Após mais de 200, talvez 300 anos de produção com base em tecnologias artesanais e, sobretudo “ecológicas”, o arroz-vermelho do Vale do Apodi é, hoje, um cultivo, em grande parte, dependente da indústria de agrotóxicos e de adubos sintéticos. Essa triste realidade, porém, coloca em evidência a capacidade das comunidades de criarem estratégias de resistência e de organizarem sistemas participativos para garantir a própria reprodução social, através de relações mais sadias com o trabalho e com o ambiente. A agricultura familiar continua sendo uma realidade na região, mesmo tendo sistematicamente ameaçado e desrespeitado o seu direito de existir140

Ainda existem guardiões de sementes no Vale do Apodi e algumas comunidades mantêm casas de sementes comunitárias, garantindo sua autonomia em recursos genéticos, compartilhados e trocados localmente141. Junto com isso, experiências de agroecologia e de convivência com o Semiárido, desenvolvidas ao longo dos anos com o apoio de organizações da própria sociedade civil, têm reforçado a existência de diferentes caminhos e possibilidades, que alcançam resultados importantes, quando devidamente amparadas por programas e políticas públicas governamentais.

A produção orgânica e agroecológica pode ser um caminho para a inserção desse arroz em mercados ligados ao consumo crítico, solidário e consciente, dispostos a remunerar de forma justa a produção, garantindo um bom rendimento, diminuindo a necessidade de adubo (que passa ser produzido localmente) e de água, minimizando o impacto no meio ambiente e favorecendo a saúde dos produtores e dos consumidores142. Mas ela precisa valorizar as sementes e as variedades locais, cultivadas há séculos na região, junto com os saberes guardados e transmitidos pelos agricultores. A introdução de mudanças devem ser inseridas em um processo de ressignificação do trabalho no campo, de fortalecimento da agricultura familiar sustentável e diversificada, de incentivo à conservação e troca de sementes, de inclusão dos jovens e de garantia da autonomia e da soberania nutricional e alimentar da população. O envolvimento dos consumidores é fundamental, sejam eles potiguares, nordestinos ou brasileiros, na defesa pelo direito e pelo prazer de comer um arroz-vermelho bom, limpo e justo.

O arroz da África e os escravizados africanos

Durante muito tempo, os europeus acreditaram que o arroz encontrado no Oeste Africano se tratasse da espécie Oryza sativa, que teria sido levado ao continente por influência de comerciantes árabes e portugueses143. Somente em 1855, o alemão Ernst Gottlieb von Steudel, concluiu que o arroz africano pertencia à espécie Oryza glaberrima, que crescia há milhares de anos na região144

A população desse território sempre manteve uma relação indissociável com o arroz, como parte integrante da cultura e do cotidiano, sendo que alguns grupos étnicos (como os Balantas, Felupes, Manjacos, Papéis, Bijagós e Diolas) podem ser consideradas “autênticas civilizações orizícolas”145. O arroz asiático teria chegado na África a partir do século XVI, através da influência europeia na mesma região da Alta-Guiné, não sendo possível identificar, entretanto, registros evidentes dessa ocorrência antes do final do século XIX146.

As sementes de arroz africano (O. glaberrima) podem ter sido as primeiras a chegar no continente americano, já que fizeram parte da alimentação à bordo, à medida que eram piladas e descascadas para o consumo147; podem ter sido deliberadamente introduzidas por viajantes, tripulantes e timoneiros, pela necessidade de subsistência ou perspectiva de lucro; ou pela iniciativa essencial e desesperada de africanos que se viram constrangidos a se mudarem se se submeterem a um regime de exploração e violência148

Possivelmente foram plantadas na Bahia, talvez em São Paulo e nas regiões das “minas”, à medida que se “importavam” escravos e se esboçavam estratégias para garantir a subsistência e a ocupação do território. Certamente foram os africanos a identificarem as áreas próprias para o cultivo do arroz (sobretudo quando esse cultivo saiu dos brejos e subiu às montanhas), como certamente foi deles a origem da técnica utilizada para a sua produção e a capacidade de adaptá-las a diferentes condições encontradas. 

Com o aumento da importância dos cultivos na colônia, os africanos oriundos dos portos de Cacheu e Bissau, membros de povos e comunidades reconhecidos como exímios cultivadores de cereais (herdeiros de uma herança de mais de três milênios de experiência), passaram a ser bastante visados como mão de obra para o trabalho nas plantações. No território do Maranhão e do Piauí, a importação de escravos “qualificados” para a produção do arroz se tornaria um instrumento particularmente importante para os fazendeiros e governadores149. Para além da contribuição como força de trabalho, a atividade que, durante décadas, sustentou o desenvolvimento e a riqueza dos proprietários e da Coroa, não seria possível sem os conhecimentos e a experiência destes agricultores. 

Séculos de histórias contadas sob o ponto de vista dos colonizadores ignoraram ou omitiram, deliberadamente, o papel dos africanos no estabelecimento dessa, assim como de outras culturas agrícolas no continente americano, junto com práticas, técnicas e conhecimentos. O arroz africano foi sistematicamente substituído por variedades da espécie asiática, tanto na África como na América, também como uma imposição de ordem ideológica, além de econômica. Mas a contribuição desses povos e seus descendentes foi a base, indelével, do estabelecimento e da ampliação da cultura desse alimento150

Ameaças e oportunidades

Não existem dados concretos sobre a superfície cultivada de arroz-vermelho no Brasil, mas estima-se que seja menos de um terço do que já foi cultivado no passado, muito embora a demanda por parte dos consumidores jamais tenha arrefecido151

Ao longo dos anos, se constata um crescente desaparecimento das culturas tradicionais, plantadas predominantemente como lavouras de subsistência por pequenos agricultores e suas comunidades. Junto com elas, uma grande diversidade genética e de adaptabilidade às condições específicas de cada região. Dentre as causas desse desaparecimento, está a introdução de cultivares comerciais, com atributos “melhorados”, considerando, sobretudo, o ponto de vista da produção em escala, a adaptação à mecanização da lavoura, ao uso eficiente de adubos e agrotóxicos e, ainda, às tendências culturais e de mercado. É inegável o avanço e a importância da pesquisa genética, assim como é inegável o fato de que ela caminha junto com interesses econômicos definidos e priorizados em escala global152

Em questão de poucas décadas, a cultura do arroz no Brasil “virou de ponta à cabeça”, com modificações que transformaram radicalmente o sistema e os equipamentos de cultivo e de beneficiamento, além de redefinirem os pólos de produção dessa cultura e os próprios hábitos de consumo da população153. A expansão do arroz abriu caminho, literalmente, para o cultivo da soja e do milho nas áreas de cerrado do Centro-Oeste, e se tornou, depois, com a ajuda da pesquisa, também um cultivo adaptado aos solos exauridos após sucessivos plantios dessas mesmas culturas154.

O cultivo do arroz no sul do Brasil passou a dar saltos exponenciais de produtividade com a especialização dos sistemas de plantio irrigado e a introdução de sementes comerciais de porte baixo e alta potencial produtivo, aliadas ao crescimento das indústrias de fertilizantes e fitoquímicos e dos investimentos na mecanização. A partir de 1980, a região assumiria a liderança definitiva na produção de arroz no país, concentrando os esforços da pesquisa e do desenvolvimento econômico dessa cultura. 

Apesar de consideradas vantajosas pela alta adaptabilidade às áreas onde são cultivadas, pela rusticidade, boa capacidade de competição natural contra ervas daninhas, resistência à condições climáticas extremas, duração do ciclo razoável e alto valor nutricional, as sementes de arroz-vermelho tradicional passaram a ser sistematicamente depreciadas pelo discurso técnico dominante, que apontava as “desvantagens” dessas variedades. As sementes que os agricultores conheciam, guardavam e multiplicavam há várias gerações passaram a ser vistas como “pouco produtivas”, “de baixo rendimento”,  “de porte muito alto”, “ultrapassadas” (em contraposição às sementes “modernas”), “quebradiças”, “empapadas (baixo teor de amilose)” e “difíceis de cozinhar”. Da mesma forma, foram caracterizados os sistemas de cultivo: “rudimentares”, “primitivos”, “precários”, “suscetíveis” e “pouco tecnológicos”. 

A “solução” veio na forma de novas sementes, incentivos e assistência técnica que, apesar das importantes contribuições conquistadas, acompanharam, inevitavelmente, a “terceirização” do conhecimento (não mais em poder dos agricultores, mas dos “técnicos”) e concentração dos meios de produção (dependência de máquinas e insumos, como fertilizantes e agrotóxicos, além de sistemas de irrigação)155. Os agricultores foram despossados do mérito de terem conservado e selecionado, ao longo de gerações, as próprias sementes, sem as quais não haveriam as bases para os avanços da pesquisa genética e sem as quais não existiriam as variedades comerciais modernas que passaram, então, a serem “oferecidas” como panacéias para a produção156

Na região do Semiárido, a cultura do arroz-vermelho enfrenta, além de tudo, o problema periódico das secas, que comprometem inteiras safras, colocando em risco a soberania alimentar local e a sobrevivência das sementes. A seca não é um problema somente local, pois está relacionada aos impactos das ações globais sobre o meio ambiente, e as estratégias para superá-la também devem ser uma responsabilidade de todos. Produtores que conseguem, quando as condições climáticas são favoráveis, garantir a continuidade do plantio, ainda devem lidar com as dificuldades de escoamento do produto, que acabam por conta de atravessadores que, em geral, forçam para baixo o valor pago pelo alimento. 

Outro ponto delicado, comum a toda a produção familiar no Brasil, é o abandono do campo pelas gerações formadas pelos filhos e filhas dos agricultores, devido à falta de perspectivas e de investimentos direcionados ao desenvolvimento da agricultura tradicional, focados na qualidade de vida no campo e na produção sustentável de alimentos.

O consumidor brasileiro se adaptou ao “padrão nacional” constituído pelo arroz branco beneficiado, categorizado pelo Ministério da Agricultura como tipo 1, ou integral, longo-fino, popularmente conhecido como agulhinha157. A produção do arroz em grande escala está relacionada a uma série de impactos ambientais provocados pelas grandes áreas de monocultura irrigada, sobretudo devido ao uso excessivo dos recursos hídricos e a contaminação da água com agrotóxicos, salinização dos solos e diminuição da biodiversidade nativa158. Na região Norte, a monocultura do arroz é responsável por grandes conflitos ligados à grilagem e ocupação de terras de propriedade de comunidades indígenas e povos tradicionais.

Nos últimos anos, o arroz-vermelho conquistou mais espaço no trabalho das instituições de pesquisa oficiais brasileiras, tornando-se prioridade em alguns programas de melhoramento genético159. As pesquisas se concentram na produção de variedades com “características agronômicas, culinárias e industriais capazes de atenderem às crescentes exigências do mercado consumidor”160. Mas também, após anos de investimentos dedicados à “migração” do cultivo de sequeiro para regiões de baixo risco climático (favorecidas com o acesso à água para irrigação, que podiam receber as novas cultivares, mais exigentes quanto à disponibilidade hídrica do que as tradicionais), o importância do arroz resistente às secas se tornou “um fator preponderante para o futuro próximo, diante da ameaça de crise de utilização de água”161.

Seja pela via da mudança nos hábitos de consumo (com o aumento da demanda por produtos “genuínos”, “funcionais”, “com origem”) que pela via da pesquisa focada nos “novos” desafios da produção comercial de alimentos, é possível que o interesse pelo arroz-vermelho no Brasil “reencontre” e valorize as regiões tradicionais dessa cultura. Enquanto isso, no entanto, o patrimônio genético e cultural relacionado ao cultivo de subsistência desaparece, à medida que as sementes são abandonadas e as gerações de produtores se sucedem, sem condições de continuar na atividade.

Sementes tradicionais, coletadas de agricultores ao longo de décadas, estão hoje conservadas em bancos de germoplasma (onde se tornaram “acessos” e números de registros). Foram e continuarão sendo fundamentais para os avanços nas pesquisas e o desenvolvimento de novas tecnologias, mas não se comparam às sementes plantadas e multiplicadas a cada safra, que acumulam as “informações” (histórias de vidas e de adaptação) que a natureza fornece diante das mudanças nas condições dos solos, do clima, das chuvas e do manejo162.

Mesmo com tantos desafios, famílias de guardiões e guardiãs têm garantido a resistência e a manutenção da agrobiodiversidade por meio de técnicas, práticas e estratégias repassadas através das gerações, que incluem o resgate, a multiplicação, a produção, a conservação e a troca de suas próprias sementes. O reconhecimento e valorização desses saberes é fundamental para a sobrevivência desse alimento. Nesse sentido, é imprescindível articular e valorizar a existência de espaços comunitários (Casas de Sementes), que garantam o armazenamento e o acesso dos agricultores e agricultoras à sementes de qualidade e o fortalecimento da sua própria autonomia; além de encontros e ocasiões para as trocas de produtos, saberes e experiências, garantindo a multiplicação das espécies e variedades crioulas para outras regiões163.

A preservação e valorização das variedades locais de arroz-vermelho, ao interno das próprias comunidades guardiãs, é um desafio coletivo e precisa de prioridade imediata, pois representam um inestimável patrimônio, cultural, alimentar e genético, importantes para a soberania alimentar e nutricional das futuras gerações. Antes de atender a “demanda” do mercado, esse alimento único e de profundo significado cultural, precisa se fortalecer e voltar a fazer parte do cotidiano das famílias dos agricultores, da alimentação nas escolas dos seus filhos, das feiras e mercados locais. Depois disso, pode se tornar um alimento presente também na mesa dos demais consumidores, através das redes de comércio solidário e da agroecologia.

Usos gastronômicos e tradicionais:

O arroz vermelho foi o que fez o povo mais antigo sobreviver aqui, é uma das alimentação mais saudável e vitaminada, ao ponto de ter coragem pra trabalhar e saúde pra viver nas secas, porque naquele tempo a alimentação era só milho, feijão, arroz e leite, daí matava um bode, um boi…”.
 

 Depoimento de Seu Heleno, agricultor aposentado de Santana dos Garrotes, registrado por Ervolino (2013).

A sabedoria popular nos ensina que, além de saboroso, o arroz-vermelho “é forte”, “dá sangue”, “dá caldo”, “tem mais vitamina”; é o único que sustenta o trabalho duro na roça, insubstituível na recuperação de gestantes e na nutrição das crianças. 

Diversos preparos e receitas possuem esse arroz como ingrediente, como o baião-de-dois,

a panelada, o rubacão, o arroz-de-leite e o arroz-de-garimpeiro. No Nordeste, em especial na Paraíba, no Rio Grande do Norte e em Pernambuco, o arroz-vermelho é cozido com leite, acrescido ou não de açúcar e de canela, mas sempre com leite (do contrário, “não presta”). De acordo com Gilberto Freyre, um hábito herdado dos portugueses, mas também uma combinação entre os ingredientes, escassos, mas substanciosos, à disposição da alimentação do povo sertanejo. Adoçado com rapadura, erva doce e canela e comido com queijo coalho, é um preparo feito na véspera da bata (colheita) do arroz. No mesmo dia, de noite, o arroz-de-leite acompanha galinha, porco ou carne-de-sol, sem o açúcar e as especiarias, além do feijão-de-corda ou feijão-macassar.

Seu uso no combate a desnutrição infantil e como auxílio na recuperação de parturientes, com efeito positivo inclusive na produção de leite materno, são consagrados na experiência e na medicina popular, muito presentes ainda no Ceará e Nordeste; assim como entre comunidades de Minas Gerais onde, embora menos frequente, esse arroz continua sendo cultivado quase especificamente para não faltar nessas ocasiões. Na forma de caldo do cozimento, é usado para ajudar no controle de diarréias em crianças, além de auxiliar na circulação sanguínea e na digestão.

As camadas externas do grão, que o caracterizam como “vermelho”, são ricas em vitamina B (tiamina), proteína e sais minerais e, quando não retiradas, oferecem doses três vezes maiores de ferro e duas vezes maiores de zinco do que o arroz branco. Tratada como farelo, esta película (pericarpo) é muitas vezes removida completamente, em favor da “aparência” do produto (como no arroz-branco), em detrimento de grande parte da riqueza nutricional deste cereal. Isso acontece, em alguns casos, até mesmo em regiões de consumo tradicional, já com o auxílio de maquinário que facilita a remoção da casca, seguindo mudanças nos hábitos alimentares locais. Entretanto, mesmo nesses casos, os benefícios desse alimento não são desperdiçados e a “pele” do arroz é utilizada na alimentação dos animais.

O arroz-vermelho, em geral, apresenta teores de amilose mais baixos do que os do arro-branco, o que resulta em grãos mais pegajosos e aquosos após o cozimento. São ricos em carboidratos e proteínas de alta digestibilidade (entre 7% no arroz polido a 9% no arroz integral). Devido a isso, seu rendimento e capacidade de oferecer “saciedade” são muito maiores, enquanto sua textura sugere preparos mais molhados, empapados, em sopas, cremes, risotos e arrozes caudalosos, bolinhos, tortas, pudins, entre vários outros. Inspiradas na cultura e herança indígena, podem ser usados para fabricação de bebidas fermentadas. 

Na cultura rural, os grãos na forma de canjica ou quirera também fazem parte da alimentação dos animais, sobretudo galinhas (em benefício das galinhas e de quem consome seus ovos e sua carne); a casca é usada para alimentar fornos e fornalhas, além de servir como adubo; a palha pode ser usada para a produção de ensilagem, usada na alimentação do gado. Na indústria, os grãos podem ser usados para a produção de cerveja;  a casca como combustível; o farelo para extração de óleo e as hastes da planta como celulose para a produção de papel; o arroz polido pode ser usado para extração de amido, para produção de flocos e cereais extrusados; álcool, vinagre e extratos sacarinos.

Referência bibliográficas:

AMARAL, Luís. História geral da agricultura brasileira no tríplice aspecto político-social-econômico. Volume II, 2ª edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958. Disponível em: <https://bdor.sibi.ufrj.br/bitstream/doc/456/1/GF%2016%20T2%20PDF%20-%20OCR%20-%20RED.pdf>.

ANDRADE, Hugo. Safra melhora e produtores colhem 20 mil quilos de arroz vermelho por dia em Apodi, no RN. Inter TV Costa Branca, 08/07/2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/safra-melhora-e-produtores-colhem-20-mil-quilos-de-arroz-vermelho-por-dia-em-apodi-no-rn.ghtml>. 

APÉ. In: Dicionário Tupi. 

ARAÚJO, Marcos Dias de. João Daniel e seu tempo : tradição e a modernização na experiência jesuítica no período pombalino (Dissertação). UFPR, 1999. Disponível em: <https://hdl.handle.net/1884/27031>.

ARAÚJO, Robson. Programa Estadual de Sementes Crioulas garante a produção de alimentos saudáveis. Portal do Governo do RN, 14/12/2020. Disponível em: <http://www.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=247271&ACT=&PAGE=&PARM=&LBL=MAT%C9RIA>. 

ARGOLO, José Dirson. O Convento Franciscano de Cairu. IPHAN, 2010. Disponível em: <https://www.ilhaboipeba.org.br/im-boipeba/Programa-MonumentaIphan-O-Convento-Franciscano-de-Cairu.pdf>.

AZEVEDO, Aluísio. O Mulato. Rio de Janeiro: Editora Ática, 1986, p. 15-16.

BARBOSA, Padre A. Lemos. Pequeno vocabulário Tupi-Português. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1951. Disponível em: <http://etnolinguistica.wdfiles.com/local–files/biblio%3Abarbosa-1951-pequeno/barbosa_1951_tupi-portugues.pdf>. 

BERREDO, Bernardo Pereira de. Annaes historicos do Estado do Maranhão. Maranhão : Typ. Maranhense, 1849. in: Biblioteca Brasiliana, 1983. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_obrasraras/or29875/or29875.pdf>. 

BARROSO JUNIOR, Reinaldo dos Santos. O arroz de Veneza e os trabalhadores de Guiné: A lavoura de exportação do Estado do Maranhão e Piauí (1770-1800). Outros Tempos; Volume 8, número 12, dezembro de 2011 – Dossiê História Atlântica e da Diáspora Africana. Disponível em: <https://www.outrostempos.uema.br/index.php/outros_tempos_uema/article/download/55/42/181>.  

BEZERRA, Nilton Xavier Bezerra (Coord.). Sabores, saberes e fazeres da chapada do Apodi. Apodi: IFRN, 2013. Disponível em: <https://memoria.ifrn.edu.br/bitstream/handle/1044/1068/Sabores%20Saberes%20e%20Fazeres%20-%20Ebook.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. 

BOLÉO, Maria Luísa Viana de Paiva. Ana Pimentel, a primeira mulher à frente de uma Capitania no Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – Ano CXIX, – Volume XCVII, 2013. Disponível em: <http://ihgsp.org.br/wp-content/uploads/2019/06/Ana-Pimentel-a-primeira-mulher-%C3%A0-frente-de-uma-capitania-no-Brasil-1.pdf>.

BORGES, S. R. dos S. et al. Proposição de um modelo para a cadeia produtiva do arroz vermelho da Paraíba. In: Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.14, n.4, p.353-362, 2012. Disponível em: <http://www.deag.ufcg.edu.br/rbpa/rev144/Art1446.pdf>.

BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das grandezas do Brasil. Segundo a edição da Academia Brasileira / corrigida e aumentada com numerosas notas de Rodolfo Garcia e introdução de Jaime Cortesão. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2010. 334 p. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/573546/000970374_Dialogos_grandezas_Brasil.pdf>.

CAIRU. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2021. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Cairu&oldid=62347011>.

CAPITANIA DO MARANHÃO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2021. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Capitania_do_Maranh%C3%A3o&oldid=60227307>. 

CARNEY, Judith A. African origins of rice cultivation in the Black Atlantic. África: Revista do Centro de Estudos Africanos. USP, São Paulo, 27-28: 91-114, 2006/2007. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/africa/article/download/96064/95301/165661>

CARNEY, Judith; MARIN, Rosa Acevedo. Aportes dos escravos na história do cultivo do arroz africano nas Américas. Estudos Sociedade e Agricultura, 12, abril 1999: 113-133. Disponível em: <https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/download/149/145/350>.

CARNEY, Judith. With Grains in her hair. In: Slavery and Abolition, Vol.25, No.1, 2004;  pp.1–27. Disponível em: <https://geog.ucla.edu/sites/default/files/users/carney/33.pdf

CARREIRA, António. A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão. Volume 1 (O comércio monopolista Portugal-África-Brasil na segunda metade do século XVIII). São Paulo: Editora Nacional, 1988. Disponível em: <https://bdor.sibi.ufrj.br/bitstream/doc/471/6/GF%2025%20PDF%20-%20OCR%20-%20RED.pdf>. 

CARTA de Pero Vaz de Caminha. Ministério da Cultura – Fundação Biblioteca Nacional. Departamento Nacional do Livro. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/carta.pdf>. 

CASTELNAU, Francis. Expedição às regiões centrais da América do Sul. Tomo I. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. Companhia Editora Nacional. São Paulo, 1949. Disponível em: <http://bdor.sibi.ufrj.br/handle/doc/78>.

CATÁLOGO de Sementes Crioulas do Alto Jequitinhonha. Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica. Turmalina, 2019. Disponível em: <https://redecerrado.org.br/wp-content/uploads/2021/06/CATALOGO_sementes-crioulas_Digital.pdf>.

COOPLANTIO e Basf orientam produtores sobre controle do vermelho. Planeta Arroz. 28/03/2009. Disponível em: <https://planetaarroz.com.br/cooplantio-e-basf-orientam-produtores-sobre-controle-do-vermelho/>. 

CORREA FILHO, V. Alexandre Rodrigues Ferreira: vida e obra do grande naturalista brasileiro. Editora Nacional, 1939. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_obrasgerais/drg62502/drg62502.pdf>.

COSTA, Carolina Pereira. Expressão Diferencial de Genes Relacionados à Tolerância ao Estresse Salino (NaCl) em Arroz Vermelho (Oryza sativa L.). Dissertação (Mestrado)  UFPB. João Pessoa, 2014. Disponível em: <https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/3656/1/arquivototal.pdf>. 

COSTA, Marcos. Município de Apodi é destaque na produção de arroz vermelho em 2021. Gazeta Apodiense, 14/07/2021. Disponível em: <https://www.gazetaapodiense.com.br/noticia/municipio-de-apodi-e-destaque-na-producao-de-arroz-vermelho-em-2021>. 

DANIEL, Padre João. Tesouro descoberto no Rio Amazonas. In: Anais da Biblioteca Nacional, vol.95, T.I, 1975. Rio de Janeiro: Relatório da Diretoria da Biblioteca Nacional, 1976. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/402630/per402630_1975_A00095.pdf>. 

DEBRET, Jean-Baptiste, Viagem pitoresca ao Brasil., t.1, vol. 1 e 2, Tradução e notas de Sérgio Milliet. São Paulo: Livraria Martins, 1940. Disponível em: <https://bibliotecadigital.seade.gov.br/view/linkPdf.php?pdf=10014150-1.pdf>.

DINIZ FILHO, Edimar Teixeira. Práticas agroecológicas na produção de arroz vermelho no Vale do Apodi – RN. Tese (doutorado) – Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Mossoró, 2009. Disponível em: <<https://ppgfito.ufersa.edu.br/wp-content/uploads/sites/45/2021/01/Tese_Edimar.pdf>. 

EMATER-RN realiza projeto de incentivo à cultura do arroz vermelho. EMATER-RN, 04/03/2021. Disponível em: <http://www.asbraer.org.br/index.php/rede-de-noticias/item/7575-emater-rn-realiza-projeto-de-incentivo-a-cultura-do-arroz-vermelho>. 

ERVOLINO, Mônica Laura Caroli. Globalização e território nas tendências de desenvolvimento para o setor agroalimentar e suas implicações para a agricultura familiar: análise de caso da Indicação Geográfica do arroz vermelho do Vale do Piancó – PB. Tese (mestrado) UFPA. João Pessoa, 2013. Disponível em: <https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/8385/2/arquivototal.pdf> . 

ESTIAGEM causa prejuízos às lavouras de arroz vermelho no Vale do Piancó. AGROLINK & ASSESSORIA, 19/06/2013. Disponível em: <https://www.agrolink.com.br/noticias/estiagem-causa-prejuizos-as-lavouras-de-arroz-vermelho-no-vale-do-pianco_174436.html>.

FERREIRA, Alexandre Rodrigues, 1756-1815. Diário da Viagem Filosófica pela capitania de são José do Rio Negro com a Informação do Estado Presente, 1786; p.122  (transcrição). Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/pereira/textos/diario_do_rio_negro_1.pdf>.

FERREIRA, Alexandre Rodrigues, 1756-1815. Diário do Rio Branco pelo Dr. Alexandre Rodrigues Ferreira [S.I][s.d.] (Transcrição), Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional; VI-177,5,12/BN. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/pereira/textos/diario_do_rio_branco_1.pdf>.

FERREIRA, Alexandre Rodrigues, 1756-1815. Enfermidades endêmicas da capitania de Mato Grosso. [S.I], 1791. Transcrição do manuscrito, códice 21,2,5 da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/pereira/textos/enfermidades_endemicas.htm>. 

FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem ao Brazil – A Expedição Philosofica pelas Capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá; Volume III. In: MONTEIRO, José Paulo; FERRÃO, Cristina Soares (organizadores). Rio de Janeiro: Documentos da Biblioteca Nacional, 2007. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/pereira/textos/viagem_ao_brasil_de_arf3.pdf>.   

FERREIRA, Alexandre Rodrigues, 1756-1815. Notícia Histórica da Ilha de Joanes ou Marajó [S.I][s.d.] (Transcrição). Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/pereira/textos/diario_do_rio_branco_1.pdf>.

FERREIRA, C. M.; PINHEIRO, B. da S.; SOUSA, I. S. F. de; MORAIS, O. P. de M. Qualidade do arroz no Brasil: evolução e padronização. Santo Antônio de Goiás: Embrapa Arroz e Feijão, 2005. Disponível em: <http://abiarroz.com.br/uploads/artigos/182be0c5cdcd5072bb1864cdee4d3d6e.pdf>. 

FONSECA, J. R.; PEREIRA, J. A.; SILVA, S. C.; RANGEL, P. H. N.; BRONDANI, C. Resgate de arroz vermelho (oryza sativa l.) nos estados da Paraíba e Ceará. Anais (Congresso brasileiro da cadeia produtiva de arroz e 2ª Reunião nacional de pesquisa de arroz), 2006. Disponível em: http://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/bitstream/doc/213962/1/CBCTRAB52.pdf 

FONSECA, J. R. et al. Coleta de germoplasma de arroz (Oryza sativa L.) e algumas considerações sobre os sistemas de produção no Estado de Minas Gerais, Território Federal de Roraima e Estado do Espírito Santo. Embrapa arroz e feijão, 1982. Disponível em: <https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/191444/coleta-de-germoplasma-de-arroz-oryza-sativa-l-e-algumas-consideracoes-sobre-os-sistemas-de-producao-no-estado-de-minas-gerais-territorio-federal-de-roraima-e-estado-do-espirito-santo>. 

FRIEIRO, Eduardo. Feijão, angu e couve: ensaio sobre a comida dos mineiros. Editora Itatiaia, 1982.

GANDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil: história da província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2008. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/188899/Tratado%20da%20terra%20do%20Brasil.pdf>. [Acesso em 11/11/2021]

GOVERNO DO ESTADO DO RN. Programa Estadual de Sementes Crioulas. SEDRAF, 17/12/2021. Disponível em: <http://sedraf.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=224776&ACT=&PAGE=&PARM=&LBL=Materia>.

DEUS, Gaspar da Madre de, 1715-1800. Memórias para a história da capitania de São Vicente, hoje chamada de São Paulo e Notícias dos annos em que se descobrio o Brazil. 3. ed, com um estudo biographico do autor e notas por Affonso d’Escragnolle Taunay. São Paulo, Rio de Janeiro: Weiszflog irmãos, 1920. Disponível em: <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/6780>.

GAYOSO, Raymundo Jozé de Souza. Compendio Hitórico-Politico dos principios da lavoura no Maranhão, Suas producçõens, e progressos, que tem tido até o prezente, entravez que vão deteriorando; e meios que tem lembrado para desvanece-los, em augmento da mesma lavoura, e sem prejuízo ao real patrimonio. Paris: Officina de P. N. Rougeron, 1818. In: Brasiliana – Coleção de livros sobre o Brasil (online). Disponível em: <http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=livrosmp&pagfis=10724>.

GOVERNO DA PARAÍBA. Governo inova em sistema de produção para manter ranking de maior plantador de arroz vermelho, 2015. Disponível em: <http://paraiba.pb.gov.br/governoinova-em-sistema-de-producao-para-ser-maior-plantador-de-arroz-vermelho/>.

DIAMANTE ONLINE. Governo presta assistência a agricultores na produção de arroz vermelho no Vale do Piancó, 06/04/2017. Disponível em: <https://www.diamanteonline.com.br/noticia/vale-do-pianco/2017/04/06/governo-presta-assistncia-a-agricultores-na-produo-de-arroz-vermelho-no-vale-do-pianc/10108.html>.

HERIARTE, Maurício de. Descrição do Estado do Maranhão, Pará e Rio das Amazonas – 1662. Vienna:   Imprensa do filho de Carlos Gerold, 1874. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_obrasraras/or110374/or110374.pdf>. [acesso em 21/11/2021] 

HISTÓRIA DA PROVÍNCIA SANTA CRUZ. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2020. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Hist%C3%B3ria_da_Prov%C3%ADncia_Santa_Cruz&oldid=58198743>.  

HOEHNE, F. C. Botânica e agricultura no Brasil no século XVI: pesquisas e contribuições. Brasiliana, vol. 71. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937. Disponível em: <http://www.etnolinguistica.org/biblio:hoehne-1937-botanica>.

LITTIN, Shelley. Generating a Genome to Feed the World: UA-Led Team Decodes African Rice. University Relations – Communications (online), July 28, 2014. Disponível em: <https://news.arizona.edu/story/generating-a-genome-to-feed-the-world-ua-led-team-decodes-african-rice>

LOPES, Mirella. Apodi produz 95% do arroz vermelho consumido no RN e vira alternativa para potiguares. Saiba Mais – Agência de Reportagem (online); 21/09/2020. Disponível em: <https://www.saibamais.jor.br/apodi-produz-95-do-arroz-vermelho-consumido-no-rn-e-vira-alternativa-para-potiguares/>.

MADEIRA, João Augusto (coord.). Plano de manejo Parque Nacional da Serra do Cipó – Área de Proteção Ambiental Morro da Pedreira. ICMBio, Março de 2009. Disponível em: <https://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/docs-planos-de-manejo/parna_serra_do_cipo_pm_encarte1e2.pdf>. [Acesso em 11/11/2021] 

MARIN, Rosa Elizabeth Acevedo. Agricultura no delta do rio Amazonas: colonos produtores de alimentos em Macapá no período colonial. Novos Cadernos NAEA, Belém, v. 8, n. 1, p. 73-114, jun. 2005. Disponível em: <http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/view/48/43> [Acesso em 28/112021].

MARQUES, Cezar Augusto. Diccionario historico-geographico da província do Maranhão. Maranhão: Typ. do Frias, 1870. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/221726>.  

MELLO, Jeronymo Martiniano Figueira de. Ensaio sôbre a estatística civil e política da província de Pernambuco – composto sôbre documentos oficiais e particulares. Tipografia M. F. de Faria, Recife;1852. Reeditado em 1979. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_manuscritos/mss537449/mss537449.pdf>.  

MENDES, R. Arroz, tirando lucro no vermelho. Revista Rural, n.146, 2010. Disponível em:<http://www.revistarural.com.br/component/content/article/444-revista-146-abril/1214-arroztirando-lucro-no-vermelho>. 

MENEZES, B. R. S.; MOREIRA, L. B.; LOPES, H. M.; PEREIRA, M. B. Caracterização morfoagronômica em arroz vermelho e arroz de sequeiro. Pesquisa Agropecuária Tropical, v.41, n.4, p.490-499, 2011. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/pat/a/gBH6fPdxFY7hgmg9NbFDZtH/>. 

MENEZES, B. R. da S. et al. Avaliação da germinação e dormência de sementes de arroz vermelho e branco. Revista de Ciências Agroveterinárias. Lages, v.12, n.2, p.129-140, 2013. Disponível em: <https://www.revistas.udesc.br/index.php/agroveterinaria/article/view/5206>. 

MILHOMEM, Ariadne; LIMA, Rafael; MOREIRA, Luiz. Atributos agronômicos de duas cultivares de arroz vermelho, ENA AR-1601 e Virgínia, produzidos em sistema de sequeiro sob manejo orgânico no município de Seropédica (RJ). In: Iv Simpósio ABC – Argentina – Brasil – Cuba. Seropédica, UFRRJ, 2020. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/338721422_ATRIBUTOS_AGRONOMICOS_DE_DUAS_CULTIVARES_DE_ARROZ_VERMELHO_ENA_AR-1601_E_VIRGINIA_PRODUZIDOS_EM_SISTEMA_DE_SEQUEIRO_SOB_MANEJO_ORGANICO_NO_MUNICIPIO_DE_SEROPEDICA_RJ>. 

MORAES, José de, 1708-1759. História da Companhia de Jesus na extincta província do Maranhão e Pará. Editor: Almeida, Candido Mendes de, 1818-1881. Rio de Janeiro: Typ. do Commercio, de Brito & Braga, 1860. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/182849>.

MUNICÍPIO de Cairu e sua história. Concepção Consultoria (online), Agosto de 2018. Disponível em: <https://www.concepcaoconsultoria.com.br/Arquivos/Arquivo/082018/O%20MUNICÍPIO%20DE%20CAIRU.pdf>. 

MONTEIRO, Sandra. Novas variedades serão cultivadas no Vale do Apodi. Jornal Tribuna do Norte, via Agência Sebrae RN (online), 24/09/2011. Disponível em: <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/novas-variedades-serao-cultivadas-no-vale-do-apodi/197130>. 

NEVES, Maria Hilda Barqueiro. Colonização e resistência no Paraguaçu – Bahia, 1530 – 1678. Recife, 2008. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/11242/1/Dissertacao%20Juliana%20Nevesseg.pdf>. 

OLIVEIRA, Giancarlo Conde Xavier. Padrões de variação fenotípica e ecologia de Oryzae (Poaceae) selvagens da Amazônia. Dissertação (Mestrado) – ESALQ. Piracicaba, 1992. 303p. Disponível em: <https://doi.org/10.11606/D.11.2019.tde-20191218-104814>. 

OLIVEIRA NETO, Aroldo Antonio de (organizador). A cultura do arroz.  Brasília: Conab, 2015. Disponível em: <http://biblioteca.conab.gov.br/phl82/pdf/2015_Cultura_do_arroz.pdf>

PÁDUA, José Augusto. O tesouro de João Daniel (As origens da ansiedade amazônica II). O Eco (online, 18/05/2006. Disponível em: <https://oeco.org.br/colunas/17226-oeco-16832/>.

PAIVA, Celso do Lago. História da Serra do Cipó. 2021. Disponível em: <https://portalserradocipo.com.br/historia-da-serra-do-cipo/>. [Acesso em 21/11/2021]

PECKOLT, Theodor, 1822-1912. Historia das plantas alimentares e de gozo do Brasil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1871-1878. Disponível em: <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/3904>. 

PECKOLT, Theodor; PECKOLT, Gustav. História das Plantas Medicinais e Úteis do Brasil –

Contendo a descrição botânica, cultura, partes usadas, composição química, seu emprego em diversas moléstias, doses, usos industriais, etc., etc. 4º Fascículo, Família das Gramíneas. Rio de Janeiro, 1891. Disponível em: <http://www.ceplamt.org.br/wp-content/uploads/2017/08/MIOLO_PLANTAS-MEDICINAIS.pdf>.    

PEREIRA FILHO, Jomar Fernandes. Formação econômica do Maranhão: superexploração e estado oligárquico como entraves ao desenvolvimento. In: VII Jornada Internacional Políticas Públicas, UFMA (artigo). São Luíz, 2015. Disponível em: http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo1/formacao-economica-do-maranhao-superexploracao-e-estado-oligarquico-como-entraves-ao-desenvolvimento.pdf   

PEREIRA, José Almeida; MORAIS, Orlando Peixoto. As variedades de arroz vermelho brasileiras. Teresina: Embrapa Meio-Norte, 2014. Disponível em: <https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/1009323/1/Doc229.pdf>. 

PEREIRA, J.A.; MORAIS, O.P.; BRESEGHELLO, F. Análise da heterose de cruzamentos entre variedades de arroz-vermelho. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.43, n.9, p.1135-1142, 2008.

PEREIRA, José Almeida. Os arrozes vermelhos Oryza glaberrima Steud. e Oryza sativa L. Embrapa Meio-Norte. Teresina, 2019. Disponivel em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/209710/1/Doc-262-Os-arrozes-vermelhos-AINFO-1.pdf

PITTA, Sebastião da Rocha, 1660-1738. História da America Portugueza. In: Collecção de obras relativas a historia da capitania depois provincia da Bahia e a sua geographia mandadas reimprimir ou publicar pelo Barão Homem de Mello; v.1. Bahia : Imprensa Economica, 1878. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242473>. 

PISO, G. História natural do Brasil ilustrada. Tradução de Alexandre Correia. São Paulo: Companhia Editora Nacional-Museu Paulista, 1948; 434p.

PRODUTORES de Apodi ampliam área de produção de arroz e esperam colheita recorde. Oeste em Pauta, 12/03/202. Disponível em: <https://oesteempauta.com.br/produtores-de-apodi-ampliam-area-de-producao-de-arroz-e-esperam-colheita-recorde/>.

PRODUTORES do Sertão comemoram colheita do arroz vermelho. Governo da Paraíba, 29/09/2020. Disponível em: <https://paraiba.pb.gov.br/noticias/produtores-do-sertao-comemoram-colheita-do-arroz-vermelho>.

PROGRAMA BANCO DE SEMENTES. Secretaria de Estado da Agricultura, da Pecuária e da Pesca – RN, 18/02/2020. Disponível em: <http://www.sape.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=37008&ACT=&PAGE=0&PARM=&LBL=Programas>  

RIBEIRO, Eugênia. Lançada primeira cultivar de arroz vermelho desenvolvida no Brasil. Embrapa, Notícias, 27/11/18. Disponível em: <https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/39540267/lancada-primeira-cultivar-de-arroz-vermelho-desenvolvida-no-brasil>. 

ROZENDO, Cimone. Limites e possibilidades dos circuitos curtos enquanto estratégia de desenvolvimento: O caso do Programa de Aquisição de Alimentos em APODI –RN. In: GT19 – O Rural no Brasil contemporâneo: questões teóricas e novos temas de pesquisa. Caxambu, 2017. Disponível em: <https://www.anpocs.com/index.php/papers-40-encontro-2/gt-30/gt19-26/11079-limites-e-possibilidades-dos-circuitos-curtos-enquanto-estrategia-de-desenvolvimento-o-caso-do-programa-de-aquisicao-de-alimentos-em-apodi-rn/file>. [acesso em 01/12/2021]

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda viagem ao interior do Brasil: Espírito Santo. Tradução de Carlos Madeira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936. Disponível em: <http://bdor.sibi.ufrj.br/handle/doc/154>   

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias de Rio de Janeiro e Minas Geraes. Tomo I. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. Disponível em: <http://bdor.sibi.ufrj.br/handle/doc/208>. 

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil: com um resumo histórico das revoluções do Brasil, da chegada de D. João VI à América à abdicação de D. Pedro. Tradução de Leonam de Azeredo Pena. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941.Disponível em: <http://bdor.sibi.ufrj.br/handle/doc/294

SALVADOR, Frei Vicente do. Frei.História do Brasil. Ed. revista por Capistrano de Abreu. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2010; 582 p. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/575110/000970367_Historia_Brasil.pdf>.

SANTANA DOS GARROTES continua líder na produção de arroz vermelho e agora investe no algodão orgânico. Redação, 01/06/2021. Disponível em: <https://www.valedopianconoticias.com.br/noticia/vale-do-pianco/2021/06/01/santana-dos-garrotes-continua-lider-na-producao-de-arroz-vermelho-e-agora-investe-no-algodao-organico/63551.html>

SANTOS, Altair Sancho Pivoto dos. Territórios de “vida” e de “morte”:  um olhar sobre os conflitos territoriais associados ao Parque Nacional da Serra do Cipó, MG. Boletim Goiano de Geografia, vol. 37, núm. 3, setembro-dezembro, 2017, pp. 552-572. Universidade Federal de Goiás. Goiás, Brasil. http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=337154296011 

SANTOS, Emanuelle Rocha dos. Agricultura familiar camponesa e agroecologia em Apodi/RN – caminhos e desafios em contexto de conflito ambiental. Dissertação (Mestrado) – UFC, Fortaleza, 2016. Disponível em: <http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/23820/1/2016_dis_ersantos.pdf>. 

SEBRAE-RN. Rio Grande do Norte retoma a cultura do arroz vermelho. Agência SEBRAE-RN (online), 13/03/2012. Disponível em: <http://www.rn.agenciasebrae.com.br/sites/asn/uf/RN/rio-grande-do-norte-retoma-a-cultura-do-arroz-vermelho,32bf90a0d2816410VgnVCM1000003b74010aRCRD>.

SILVEIRA, Simão Estácio da. Relação sumária das cousas do Maranhão – dirigida aos pobres deste Reino de Portugal. Anais da Biblioteca Nacional, V. 94; 1974. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/402630/per402630_1974_00094.pdf>.    

SOUSA, Gabriel Soares de, 1540-1591. Tratado descriptivo do Brasil em 1587. In: Varnhagen, Francisco Adolfo de, 1816-1878, 2 ed. mais correcta e accrescentada com um additamento. Rio de Janeiro : Typographia de João Ignacio da Silva, 1879. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242787>. 

SOUZA. Leonardo Vasconcelos de. O Retiro em meio ao Parque Nacional da Serra do Cipó: Lugar, normas, resistências, flexibilizações. Dissertação (mestrado) UFMG. Belo HOrizonte, 2017. Disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/IGCC-AYEGVH/1/disserta__o_leonardo_vasconcelos_de_souza_2017.pdf>. 

THEODORO PECKOLT. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2018. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Theodoro_Peckolt&oldid=51640277>. 

VALE DO APODI tem boa colheita do arroz vermelho. Tribuna do Norte, 20/07/2018. Disponível em: <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/vale-do-apodi-tem-boa-colheita-do-arroz-vermelho/418966>. [Aceso em 01/12/2021]

VALENTIN, Agnaldo. Comércio marítimo de abastecimento: o Porto de Iguape (SP), 1798-1880. In: Anais do V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6ª Conferência Internacional de História de Empresas.  Caxambu, 2003. Disponível em: <http://www.abphe.org.br/arquivos/2003_agnaldo_valentim_comercio-maritimo-de-abastecimento-o-porto-de-iguape-sp-1798_1880.pdf>. [Acesso em 21/11/2021]

VALENTIN, Agnaldo. Uma civilização do arroz: agricultura, comércio e subsistência no Vale do Ribeira, 1800-1880. Tese (doutorado) FFLCH/USP, São Paulo, 2006. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-04072007-120321/publico/TESE_AGNALDO_VALENTIN.pdf>.

VIVEIROS, Jerônimo. História do Comércio no Maranhão – 1612-1895. v. 1. São Luís:Lithograf, 1992. Disponível em: <http://memoria.org.br/pub/meb000000461/histcomvol1mar/histcomvol1mar.pdf>. 

VERMELHO EM FOCO. Planeta Arroz, edição 53; 05/02/2015. Disponível em: <https://planetaarroz.com.br/vermelho-em-foco/>. 

XAVIER, Oscar. Área plantada de arroz diminui 50% no interior do RN. Inter TV Costa Branca, 16/07/2017. disponível em: <https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/area-plantada-de-arroz-diminui-50-no-interior-do-rn.ghtml>. 

WEBER, J.M. Arroz: características químicas, culinárias e nutricionais das diferentes variedades consumidas no Brasil. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Nutrição-Universidade de Brasília), 71p, 2012. Disponíveis em: <https://bdm.unb.br/bitstream/10483/6333/1/2012_JessicaMunizWeber.pdf>. 

Notas

  1. Pereira, José Almeida. O arroz vermelho cultivado no Brasil; p.41. ↩︎
  2. A região já recebia forte influência das tecnologias trazidas por órgãos federais e instituições locais desde 1940 (PEREIRA, 2004). A partir dos anos 60, variedades de arroz-branco (com genes do arroz IR8, desenvolvido nas Filipinas) passaram a ser testadas e introduzidas no Vale do rio do Peixe e no Vale do Apodi (RN), sob incentivo dos institutos e agências de pesquisa. Ao que tudo indica, houve o cruzamento natural dessas novas variedades com as variedades tradicionais, dando origem a novas plantas, que foram selecionadas pelos agricultores e estão entre as mais utilizadas, atualmente, nessas regiões (PEREIRA; MORAIS, 2014) ↩︎
  3. A forma espontânea de arroz-vermelho (Oryza sativa) é tida como planta invasora das lavouras de arroz-branco, pois compete por água, luz e nutrientes, comprometendo a produtividade e a qualidade do produto sob o ponto de vista do padrão comercial. O governo brasileiro, junto com as empresas do setor, organizam campanhas para o combate dessa variedade “daninha”. Em 2009, no estado do Rio Grande do Sul, a multinacional BASF lançou a campanha “Todos Unidos Contra o Arroz Vermelho”, uma ampla investida com várias frentes de atuação (COOPLANTIO, 2009). ↩︎
  4.  Para os povos tupis, auati-í é o milho d’água (BARBOSA, 1951) e abati-apé o milho de casca, ou o milho do “chão”, da “superfície” (APÉ, 2021). Outras etnias também conheciam e utilizavam as espécies selvagens de arroz. ↩︎
  5. Segundo Pereira (2004), pode ser definida a partir da umidade dos grãos (entre 18% e 24% o ideal), ou quando a maior parte da lavoura (80%) apresentar cachos pendentes e dois terços dos grãos no cacho estiverem maduros. Os agricultores identificam o momento certo mordendo e apertando os grãos com as unhas: se os grãos se amassarem, estão imaturos; se se quebrarem, já podem ser colhidos. O teor correto de umidade na colheita influencia na conservação e na aparência dos grãos, que tendem a ser mais quebradiços quando muito secos e apodrecerem ou fermentarem quando muito úmidos. ↩︎
  6.  De acordo com a Embrapa, o arroz-vermelho “tem se destacado na culinária gourmet” e já é possível encontrar o produto em supermercados, na prateleira reservada aos arrozes especiais, com preço superior ao arroz-branco, chegando ao dobro do valor (RIBEIRO, 2018). Até então, tratam-se de cultivares comerciais (como a SCS 119 Rubi, de grãos longos e finos, selecionada a partir de germoplasma de arroz vermelho do tipo espontâneo), diferentes das sementes plantadas nas regiões tradicionais desse alimento. ↩︎
  7.  O cultivo do arroz ocupa o 2º lugar em área plantada no mundo, só perdendo para o trigo (ICTA – UFRGS). ↩︎
  8.  Vale esclarecer que o cereal difundido internacionalmente como “arroz-selvagem”, cultivado secularmente no Norte dos Estados Unidos e no Sul do Canadá, pertence à espécie Zizania acquatica. Portanto, não se trata de espécie selvagem, tampouco de arroz (PEREIRA; MORAIS, 2014; p.11) ↩︎
  9.  O gênero Oryza compreende 23 espécies que podem ser divididas em silvestres e cultivadas, com características botânicas, morfológicas, fisiológicas, bioquímicas, genéticas e origens geográficas diversas. ↩︎
  10.  Respectivamente, O. rufipogon, na Ásia, e O. barthii, na África (PEREIRA, 2004). ↩︎
  11.   Oliveira, Giancarlo Conde Xavier. Padrões de variação fenotípica e ecologia de Oryzae (Poaceae) selvagens da Amazônia, 1992. ↩︎
  12.  Pereira, José Almeida, op.cit. ↩︎
  13.  O arroz “daninho”, por um mecanismo ainda não devidamente conhecido, se desenvolve espontaneamente no meio das populações de plantas do arroz branco. O tratamento e denominação depreciativos que esta variedade recebe não é uma constante em todas as culturas do mundo. Em países como a Índia, a China e a Coreia (centro de domesticação primária da espécie Oryza sativa) as características desse arroz são reconhecidas e valorizadas, recebendo até nomes especiais (PEREIRA; MORAIS, 2014). Por pertencerem à mesma espécie botânica, as diferenças morfológicas existentes entre os dois tipos (forma cultivada e espontânea) são bastante sutis. Em geral, como resultado do processo natural de seleção, as plantas do arroz-vermelho cultivado apresentam panículas maiores e com maior número de grãos do que as do arroz-vermelho espontâneo, assim como as do arroz-vermelho espontâneo apresentam longas aristas, maior grau de dormência e de degranação do que as da forma cultivada. Outra diferença observada entre as duas formas diz respeito à resistência aos herbicidas. Pelo fato de ser frequentemente submetido a tratamentos, visando à sua erradicação, o arroz-vermelho espontâneo acaba adquirindo resistência a muitos dos produtos químicos, ao passo que o arroz-vermelho cultivado no Brasil, plantado em pequenas áreas, como uma cultura típica de subsistência, continuou sendo uma planta particularmente sensível à ação dos herbicidas (Ibidem). ↩︎
  14.  O arroz e outras gramíneas nativas e selvagens podem ter sido destinados a um uso circunscrito, específico para certas ocasiões, como no consumo ritual, por prescrição médica e terapêutica e como reserva alimentar e ingrediente de alguns preparos. Ao que tudo indica, certamente para produzir “cervejas” e “vinhos” (nesse caso, possivelmente combinados com mel, seivas ou frutas). Sabe-se que pelo menos O. alta e O. latifolia ocupavam uma amplitude muito grande de latitudes, estendendo-se, no Brasil, desde a Amazônia até Santa Catarina (embora haja uma clássica confusão taxonômica entre as espécies). Mas há indícios para se crer que a distribuição geográfica de pelo menos uma espécie de Oryza selvagem estendia-se, e pode ainda estender-se, até o litoral da Bahia (OLIVEIRA, 1992). ↩︎
  15.  Gandavo, Pero de Magalhães de, Tratado da Terra do Brasil; p.108. O território descrito por Gândavo correspondia, provavelmente, à região costeira desde Itamaracá (Bahia) até São Vicente (São Paulo) e se estendia pouco para o interior (HISTÓRIA DA PROVÍNCIA SANTA CRUZ, 2020). ↩︎
  16.   Deus, Frei Gaspar da Madre de, Memórias para a história da capitania de São Vicente; p.172. ↩︎
  17.  Ana Pimentel, esposa de Martim Afonso de Sousa, então capitão-mor e Governador da Povoação da Capitania de São Vicente, substituiu o marido em suas funções por cerca de nove anos, durante os quais promoveu a ampliação dessas culturas. Em 1544, assinou a revogação da polêmica proibição de acesso ao sertão (as terras internas da Capitania), determinada pelo marido, dando início a um novo capítulo na história da colônia (BOLÉO, 2013). ↩︎
  18.  Corrêa, Pio Manoel, Dicionário das plantas úteis do Brasil e das exóticas cultivadas apud Oliveira, Giancarlo Conde Xavier, Padrões de variação fenotípica e ecologia de Oryzae (Poaceae) selvagens da Amazônia. ↩︎
  19.  Historiador, senhor de engenho e empresário no Brasil, nascido em Portugal na década de 1540.   ↩︎
  20.  Desde meados do século XV, estabeleceu-se um intenso comércio entre Cabo Verde e os povos da costa oeste africana, de onde vinham produtos como cera, peles, índigo, alimentos, sal e escravos (CARNEY, 2004). O cultivo do arroz na costa africana sustentou esta vasta rede de comércio e se tornou uma importante moeda de troca para os principais grupos étnicos, a partir da chegada dos portugueses. Pelo final do século XVIII, centenas de agricultores de arroz haviam se tornado dependentes do comércio de escravos pelo Atlântico (Ibidem).  ↩︎
  21.  Carney, Judith A., African origins of rice cultivation in the Black Atlantic. ↩︎
  22.  A Vila de Nossa Senhora do Rosário do Cairu foi criada por Carta Régia de 1608, desmembrando-se do município de Ilhéus (CAIRU, 2021).  ↩︎
  23.  Argolo, José Dirson, O Convento Franciscano de Cairu. ↩︎
  24.  Alguns colonos haviam se dedicado ao plantio da cana e a construção de engenhos, mas a atividade foi coibida, ainda em meados do século XVII, para garantir o abastecimento de farinha de mandioca, permanecendo apenas um engenho de maior prestígio em Cairu. Com o desenvolvimento da indústria do açúcar no Recôncavo Baiano, a região ao sul do território baiano parou de receber incentivos do governo para a incipiente indústria açucareira e dedicou-se à produção e fornecimento de alimentos e de madeira (MUNICÍPIO, 2018). ↩︎
  25.  O rio Paraguaçu nasce na Serra do Sincorá, Chapada Diamantina, atravessa o Recôncavo e deságua na Baía de Todos os Santos, depois de 520 km, oferecendo uma rota privilegiada de acesso à essa a parte interna do continente. Foi uma dos primeiros itinerários a atrair o movimento de ocupação e exploração das terras, nos primeiros anos da presença efetiva dos colonos na capitania da Bahia (NEVES, 2008). De acordo com Pereira (2004), o arroz-vermelho é plantado no estado por agricultores familiares nos municípios de Mucugê, Barra da Estiva, Jussiape e Rio de Contas, microrregião de Seabra e com menor expressão na Microrregião de livramento do Brumado, municípios de Paramirim, Érico Cardoso, Dom Basílio e Livramento do Brumado. ↩︎
  26.  Brandão, Ambrósio Fernandes, Diálogos das grandezas do Brasil; p. 211. ↩︎
  27.  “Verdade é que, por se não transpor, como se faz na Índia, não amadurece todo junto, e por esse respeito dá trabalho a sua colheita; mas por outra parte a facilita, com se deixar colher dois e três anos, e dar outras novidades; porque o restolho que fica, quando não é trilhado e destruído das alimárias [animais], na entrada do mais próximo inverno torna outra vez a reverdecer de novo e a levar fruto perfeito” (BRANDÃO, 2010; p.211). ↩︎
  28.  Piso estava entre os eruditos que acompanharam o Conde Maurício de Nassau, governador designado pelos holandeses para administrar a região de Pernambuco. Permaneceu sete anos no Brasil. Seus estudos são considerados os primeiros trabalhos verdadeiramente científicos sobre a geografia e a botânica do país  (CARNEY; MARIN, 1999). CItado por Hoehne (1937; p.34) Sprecher Von Bernegg indica que o arroz era cultivado em Garanhuns, em 1750, na “Serra do Arroz”, nome ainda usado em 1979, como uma das quatro serras da freguesia de Panema (hoje Santana do Ipanema) (MELLO, 1979). O riacho do arroz, também na região, era o nome de um tributário no curso Norte do rio Capibaribe (Ibidem). ↩︎
  29.  Berredo, Bernardo Pereira de, Annaes historicos do Estado do Maranhão; tomo I; p.320. ↩︎
  30.  Heriarte, Maurício de, Descrição do Estado do Maranhão, Pará e Rio das Amazonas – 1662; p.38-39. ↩︎
  31.  Ibidem; p.39. ↩︎
  32.  Hoehne, Frederico Carlos, Botânica e agricultura no Brasil no século XVI: pesquisas e contribuições. ↩︎
  33.  Ferreira, Alexandre Rodrigues, Enfermidades endêmicas da capitania de Mato Grosso; s.p. Nascido em Salvador, em 1756, Alexandre Rodrigues Ferreira foi incubido da missão de coletar informações sobre a natureza e os nativos da região do Amazonas, que deveriam servir para gerar “avanços produtivos”, com a descoberta de novas espécies agricultáveis ou de novas maneiras de aclimatar as que já possuíam um crescente mercado. Buscavam-se também novas técnicas que estimulassem a extração inteligente e menos destrutiva dos recursos minerais e florestais (PÁDUA, 2006). ↩︎
  34.  Botânico, zoólogo e médico sueco, reconhecido pela criação do primeiro sistema de nomenclatura e classificação das espécies da ciência moderna. ↩︎
  35.  Hoehne, Frederico Carlos, op.cit.; p.34. ↩︎
  36.  Pitta, Sebastião da Rocha, História da America Portugueza. ↩︎
  37.  Silveira, Simão Estácio da, Relação sumária das cousas do Maranhão – dirigida aos pobres deste Reino de Portugal. A Capitania do Maranhão foi uma das subdivisões do território brasileiro no período colonial, instituída em 1535. Cobria o nordeste do atual estado do Maranhão, Belém (Pará) e um extremo da Ilha de Marajó (CAPITANIA DO MARANHÃO, 2021). ↩︎
  38.   Salvador, Frei Vicente do, História do Brasil; p.84.  ↩︎
  39.  Carney, Judith; Marin, Rosa Acevedo, Aportes dos escravos na história do cultivo do arroz africano nas Américas. ↩︎
  40.  “A terra em que se acham situadas estas fazendas, é alta, isenta de inundações ainda em cheias extraordinárias, é plana, e produz boas matas, que continuam até às serras das Torres, que lhe ficam ao poente. As mesmas fazendas produzem os legumes do país com fertilidade, milho com abundância, e também arroz de muito boa qualidade, que na grandeza do grão e sabor não tem inferioridade ao de Veneza; porém o que se colhe pelos pantanais, produzido pela natureza, sem cultura, não tem bondade que o faça apetecido, e só por necessidade se pode admitir o seu uso” (FONSECA, 1749 apud AMARAL, 1958; p. 68). ↩︎
  41.  O Padre João Daniel, português nascido em 1722, chegou na Amazônia com menos de vinte anos. Tornou-se padre e viveu em fazendas e missões na floresta. Foi preso e deportado para Portugal em 1757, após a expulsão dos jesuítas do Brasil, decretada pelo governo do Marquês de Pombal. Escreveu na prisão sua obra o “Tesouro descoberto no rio Amazonas” com memórias e reflexões sobre as décadas em que viveu no Brasil. ↩︎
  42.  “Não é menor outro inconveniente que se segue em dano de todo o Estado, e é a falta de víveres, e frutos da terra, que os fazendeiros perderam pelos seus sítios, e cuja falta sentem nas cidades, e povoações os moradores por falta de barcos, que os transportem, porque seria muito maior a despesa, que a receita aos fazendeiros se para mandar os seus frutos as cidades se privassem do serviço dos seus fâmulos por dilatado tempo. Esta é também a causa porque os índios das missões não acodem às cidades, e povoações dos brancos com os haveres preciosos de bálsamos, resinas, e os mais que abundam nos seus matos, e se perdem pela terra. Este é o impedimento dos missionários e mais administradores das missões para não remeterem, e fartarem as povoações dos brancos das tartarugas, e mais pescaria do Amazonas, e do arroz nativo de sua natureza, que se perde nos mesmos lagos, em que nasce: e finalmente tantos outros danos, como cada um pode considerar, consequentes todos de não haver a necessária providência de barcos públicos” (DANIEL, 1976; P.31-32). ↩︎
  43.  O antropólogo Antônio Porro (apud OLIVEIRA, 1992), sugere verificar se a técnica de branqueamento do arroz nativo, por atrito com camisas de milho, é técnica europeia, indígena ou africana. Sendo indígena, seria um indicativo do uso como alimento sólido por estes povos (além do uso na produção de bebidas fermentadas). É sabido que os jesuítas habitavam em missões onde agrupavam indígenas “catequizados”, que trabalhavam como mão-de-obra forçada em diversas atividades; ao mesmo tempo, no final do século XVII, os africanos já estavam sendo trazidos como escravos para as colônias. De acordo com alguns agricultores da região da Serra do Cipó, em Minas Gerais, em entrevistas pessoais, a palha de milho pode ser usada para evitar “esparramar” o arroz durante o beneficiamento no pilão. O mesmo é feito utilizando folhas de mamão e goiaba. É bem provável que essa seja uma técnica comum às nações que utilizam regularmente o pilão no beneficiamento de grãos e outros alimentos, incluindo povos indígenas e africanos (porém não os portugueses), adaptando o uso de folhas e materiais diferentes, para o mesmo fim.  ↩︎
  44.  Pelas características poderia se referir, de acordo com Oliveira (1992), à espécie O. glumaepatula. ↩︎
  45.  Marques, Cezar Augusto, Diccionario historico-geographico da província do Maranhão, Tomo III;  p.497. ↩︎
  46.  O dicionário Oxford (2021) registra arroz bravo como sinônimo de maçambará: “planta cosmopolita, forrageira resistente, por vezes considerada praga”. Compreende, entre outras espécies, Andropogon halepensis (sinônimo de Sorghum halepense) e Leersia hexandra (erva aquática e terrestre, de folhas cortantes e grão pequeno, quase branco, que pode substituir o arroz), conhecida popularmente por abatiapé (do tupi awati-apé, milho redondo, arroz redondo), andrequicé, arrozinho, arroz-da-guiana, arroz-do-méxico, camará-de-cavalo, capim-andrequicé, peripomonga (junco pegajoso, em tupi), serra-perna, sorgo-de-alepo, capim-marreca, felpudinho, grameio (MS), arroz-caiena, grama-do-brejo e arroz-da-guiana. O naturalista Peckolt registrou: “O grão de massambará, desprezado como alimento, não deixa de ser muito nutritivo, e como as sementes de lágrima de Nossa Senhora, ricas em fécula recompensariam a cultura” (PECKOLT, 1871; p.77). De acordo com o portal Agrolink, Leersia hexandra “Infesta canais de irrigação e drenagem, beira de lagoas e represas (…) É uma séria infestante de lavouras de arroz, sendo inclusive muito semelhante com essa gramínea cultivada (…) É uma excelente forrageira com 12,4% de proteína bruta na matéria seca. É muito apreciada por búfalos” (AGROLINK, 2021); enquanto Andropogon avenaceus, ou maçambará-do-piauí, “é uma das plantas invasoras mais temidas no mundo. No Brasil, sua área de infestação vem aumentando, sendo frequente ao longo de rodovias, invadindo lavouras anuais e perenes, principalmente cana-de-açúcar. A sua presença, se não controlada, inutiliza completamente o solo para a agricultura, exceto para pastagem, cujo valor forrageiro é razoável” (Ibidem). Knupp (2007) indica também as espécies Luziola peruviana (arroz silvestre, arrozinho, capim-arroz, arroz-do-brejo, arroz-da-águas, capim-boiador, boiador, pastinho-d’água, grama-boiadeira, capim-mimoso-do-banhado); Pharus lappulaceus (capim-bambu, jaguá-arroz, arroz-jaguá (MT), arroz-de-coitia, arroz-de-cachorro) e Rhynchorryza subulata (arroz-bravo, arroz-de-espinho, arroz-do-mato, arroz-silvestre), como espécies comestíveis.  ↩︎
  47. Pádua, José Augusto, O tesouro de João Daniel (As origens da ansiedade amazônica II). ↩︎
  48.  O arroz-da-carolina, possivelmente o mesmo arroz de “novara” (PEREIRA, 2004), havia sido introduzido no sudeste dos Estados Unidos a partir do final do século XVII, e daí passou a ser um produto de exportação da colônia para o mercado Europeu, inclusive Portugal. As variedades “branca” e “dourada”, altamente produtivas, foram introduzidas na Amazônia a partir da década de meados do século XVIII. ↩︎
  49.   Ferreira, Alexandre Rodrigues, Diário da Viagem Filosófica pela capitania de são José do Rio Negro com a Informação do Estado Presente; p.122. ↩︎
  50.  Ibidem; p.122. ↩︎
  51.   Ferreira, Alexandre Rodrigues, Notícia Histórica da Ilha de Joanes ou Marajó; p.62. ↩︎
  52.  Ibidem; p.62. ↩︎
  53.  Correa Filho, V., Alexandre Rodrigues Ferreira: vida e obra do grande naturalista brasileiro; p.37. Marques, em seu “Dicionário…” também cita a presença do arroz em Arari: “pequena povoação situada na margem direita do rio Mearim”, indicando que “são índios os seus habitantes e cultivam arroz e algodão” (MARQUES, 1870; p.24). Ao que tudo indica, havia indígenas cultivando arroz, não só para o preparo de “condenáveis” bebidas alcoólicas, mas também para o comércio com o restante da população. ↩︎
  54.  O arroz-vermelho era uma plantação de subsistência já consolidada na capitania, e os lavradores não haviam razões para substituí-la: “Em virtude de sua baixa qualidade de produção, vários administradores locais tentaram substituí-lo pelo de Carolina, esforço baldado, pois ninguém quis plantar o que era nativo” (VIVEIROS, 1992, p.76).  ↩︎
  55.  O algodão atendia as necessidades iniciais de uma revolução industrial baseada na fabricação têxtil e o arroz correspondia ao consumo de cereais na cultura ocidental, cada vez maior (BARROSO JÚNIOR, 2011; p.109).  ↩︎
  56.  Decisão estendida, em 1758, para todo o restante do país. ↩︎
  57.   Carreira, António, op.cit. ↩︎
  58.  Joaquim Melo e Póvoas, governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão de 1761 a 1775 e do Estado do Maranhão e Piauí de 1775 a 1779. ↩︎
  59.  Carta de 24 de dezembro de 1770 do Livro de Registros das Cartas enviadas por Governadores (Nº 11), conservadas no Arquivo Público do Estado do Maranhão, citada por Barroso Júnior (2011; p.113). ↩︎
  60.  Barroso Junior, Reinaldo dos Santos, O arroz de Veneza e os trabalhadores de Guiné: A lavoura de exportação do Estado do Maranhão e Piauí (1770-1800). ↩︎
  61.   Marques, Cezar Augusto, op.cit; p.389. ↩︎
  62.  Gayoso, Raymundo Jozé de Souza, Compendio Hitórico-Politico dos principios da lavoura no Maranhão; p.181). A economia maranhense entrou em  declínio no final do século XIX, retornando a uma agricultura de subsistência até a chegada de um novo ciclo econômico, com o extrativismo do babaçu, a partir da década de 1920 (PEREIRA FILHO, 2015). Com a abolição da escravatura, em 1888, a burguesia agroexportadora maranhense buscou investir seus capitais acumulados no setor industrial, com  ênfase nos produtos têxteis. Nas duas últimas décadas do século XX se expandem os cultivos intensivos de soja no sul e leste do estado, além da cana-de-açúcar para a produção de álcool, bem como uma razoável pecuária de corte, entrecortados por segmentos de agricultura familiar (Ibidem). ↩︎
  63.   Gayoso, Raymundo Jozé de Souza, op.cit.; p.181. ↩︎
  64.  O termo arroz-da-terra foi utilizado também por agrônomos portugueses para indicar uma variedade de arroz ainda plantada em Portugal na década de 1940 (PEREIRA, 2004). Considerando que os alimentos importados ao Brasil ganhavam comumente uma alcunha para aludir à sua proveniência, como “do reino”, em contraposição ao “da terra”, o arroz plantado na colônia pode, facilmente, ter garantido para si esse “título”, independente da forma de cultivo. ↩︎
  65.  Viveiros, Jerônimo, História do Comércio no Maranhão – 1612-1895, v.1.; p.113. ↩︎
  66.  De acordo com Saint-Hilaire, cerca de 50 famílias açorianas haviam se estabelecido em Viana (Região Metropolitana de VItória), no final do século XVII; construíram casas e receberam consideráveis porções de terra, alguns animais e instrumentos agrários: “Em uma escala que os ilhéus fizeram em Cabo-Verde, alguns apanharam (dizem) germens de uma doença perigosa; por outra, o ar de Vianna antes dos desbravamentos que foram iniciados logo depois, estava longe de ser salubre; os colonos não estavam acostumados a trabalhar sob o céu ardente dos trópicos, e tiveram, logo que chegaram, a imprudência de formar arrozais nos alagadiços vizinhos às suas moradias. Muitos homens adoeceram e morreram. As mulheres foram menos sacrificadas; saiam menos que seus maridos, não tinham assim as mesmas ocasiões de beber águas más e não iam nos lugares pantanosos. Hoje que a região está muito mais descoberta e é também mais saudável não me parece que haja em Vianna mais doenças que em outro qualquer lugar” (SAINT-HILAIRE, 1936; p.230-231). ↩︎
  67.  O arroz-vermelho ainda fazia parte do cotidiano da cidade de São Luís do Maranhão no século XIX, evocado por Aluísio Azevedo, em sua obra “O Mulato”, na cena de um vendedor que anuncia ao longe: “Arroz de Veneza! Mangas! Mocajubas!” (AZEVEDO, 1986). ↩︎
  68.  Barroso Júnior, Reinaldo dos Santos, op.cit.; p.113. ↩︎
  69.  Como ressalta Pereira (2004; p.14), “Parece constituir um certo paradoxo o fato de, em se tratando de uma planta semi-aquática e, portanto, que necessita de um considerável volume de água para crescer, desenvolver-se e produzir, o arroz-vermelho tenha se adaptado e se propagado justamente no sertão nordestino, a região mais seca do Brasil”. Os motivos para isso seriam os “solos das várzeas onde ele é cultivado, geralmente de alta fertilidade natural e com alta capacidade de retenção de água”. Mas também, fundamental, pela importância que ele possui ao interno da cultura alimentar das populações guardiãs dessa cultura. Ainda de acordo com o autor, o último registro do arroz-vermelho no Maranhão foi feito por Fonseca et al. (2004), que encontrou uma variedade denominada de “saia velha” na Microrregião do Médio Mearim, município de Capinzal do Norte, que também recebia o nome de “vinez”. ↩︎
  70.   Pereira, José Almeida de, op. cit. ↩︎
  71.  De acordo com Peckolt, nas margens do Rio São Francisco também se encontrava arroz em estado selvagem, “que são as fazendas de arroz dados pela Providencia aos pobres” (PECKOLT, 1871; p.94). ↩︎
  72.  Saint-Hilaire indicava que a cultura do arroz “está longe de ser desconhecida no litoral que vai do Rio de Janeiro ao Rio Doce, e é mesmo uma das riquezas da província do Espírito Santo, limítrofe dos Campos dos Goytacazes” (SAINT-HILAIRE, 1941; p.397). O arroz no estado capixaba era “um artigo de exportação” em Vitória e um cultivo de uso local nas margens do Rio Itapemirim e do Rio Doce, embora não fosse raro “que os agricultores venham a ter um excedente desses gêneros e os enviem para o Rio de Janeiro” (SAINT-HILAIRE, 1936; p.53), ou então fosse comprado por negociantes da Bahia. No estado, não se cultivava, “como em Minas, a variedade guarnecida de pendão; das duas variedades, sem embargo, que se conheceu nesta região, uma tem o grão de cor branca e é plantada em geral, a outra tem o grão vermelho e traz o nome de arroz vermelho” (SAINT-HILAIRE, 1936; p.111), ambas cultivadas em terrenos alagadiços. Essa última, no entanto, “vende-se com dificuldade e não é usada senão para doentes” (Ibidem). ↩︎
  73.  Farmacêutico e naturalista alemão, viveu no Brasil durante 65 anos (THEODORO PECKOLT, 2018). ↩︎
  74.  Peckolt, Theodor; Peckolt, Gustav, História das Plantas Medicinais e Úteis do Brasil; p.192. ↩︎
  75.  Peckolt indica que, na província do Rio de Janeiro, onde faltava o terreno úmido próprio para cultura do arroz branco, principalmente nos distritos de café, “cultivava-se com vantagem o arroz das montanhas vulgarmente chamado arroz pachola, que prospera ainda em terreno pouco arenoso e amadurece às vezes um mês mais cedo” (PECKOLT, 1871; p.94). indica que este arroz descascado é coberto de uma película de côr avermelhada ou ferruginosa, muito difícil de se separar; os grãos são delgados e finos, cultivados em lugares elevados dos estados do Rio de Janeiro e de Minas, além do Espírito Santo. ↩︎
  76.  Peckolt, Theodor, Historia das plantas alimentares e de gozo do Brasil; p.83-84. ↩︎
  77.  “As folhas desta variedade são, geralmente, maiores do que as das variedades cultivadas. As plantas são mais altas, touceiras ralas, talos delgados e a inflorescência mais comprida e bastante galhada (ramificada), formando um cacho recto e espalhado ( i .é, uma panícula laxa). Os cachos são bastante grandes como também o são em geral as sementes” (YOUNG 1906 apud OLIVEIRA, 1992; p.22). Para Oliveira (1992), a descrição concorda com a de O. alta (ou O. latifolia), que existe na região. Poderia adequar-se também a O. glumaepatula, mas com muito menos exatidão. ↩︎
  78.  Poderia indicar atributos selvagens, de acordo com Oliveira (1992), assim como a não simultaneidade do florescimento. ↩︎
  79.  O ciclo do ouro de Iguape (onde foram encontradas as primeiras jazidas auríferas e construída a primeira casa de fundição do Brasil) durou “até o descobrimento das Minas Geraes, em o anno de mil seis sentos e noventa e sete, pouco mais ou menos em que ficou sessando, porque quasi todos os Mineiros auzentarão d’aqui para as ditas Minas”, conforme Livro de Tombo de Iguape transcrito por Young (1901 apud RELATÓRIO, 2006). ↩︎
  80.  Valentin, Agnaldo, Uma civilização do arroz: agricultura, comércio e subsistência no Vale do Ribeira, 1800-1880. ↩︎
  81. DEBRET, 1940; vol. 1; p. 177 ↩︎
  82.   Saint-Hilaire, Auguste de, Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil↩︎
  83.   Saint-Hilaire, Auguste de, Viagem pelas províncias de Rio de Janeiro e Minas Geraes, Tomo I; p.266. ↩︎
  84.  Castelnau, Francis, Expedição às regiões centrais da América do Sul, Tomo I.; p.124. ↩︎
  85.  Silva, M. V., Elementos para a história do arroz no Brasil apud Pereira, José Almeida, op.cit. ↩︎
  86.  Pereira, José Almeida, op.cit. ↩︎
  87.  Hoehne, Frederico Carlos, op.cit.; p.38. ↩︎
  88.  “Utilizam-se, quase que invariavelmente, cultivares tradicionais que apresentam, como principais características indesejáveis, porte muito alto, colmo frágil (tornando-as suscetíveis ao acamamento) e ciclo relativamente longo. Possuem, por outro lado, alta adaptabilidade às condições de solo da região e grande parte delas mostra excelentes qualidades de grão” (FONSECA et al., 1982; p.2). ↩︎
  89.  Menezes, B. R. da S. et al, Avaliação da germinação e dormência de sementes de arroz vermelho e branco; p.129. Milhomem, Ariadne; Lima, Rafael e Moreira, Luiz, Atributos agronômicos de duas cultivares de arroz vermelho, ENA AR-1601 e Virgínia, produzidos em sistema de sequeiro sob manejo orgânico no município de Seropédica (RJ). ↩︎
  90.   Paiva, Celso do Lago, História da Serra do Cipó. ↩︎
  91.   Souza, Leonardo Vasconcelos de, O Retiro em meio ao Parque Nacional da Serra do Cipó: Lugar, normas, resistências, flexibilizações. ↩︎
  92.  Quanto mais pessoas vinham povoar a região, mais os caminhos do Sertão e suas ramificações eram consolidados tornando-os menos isolados. Um desses caminhos ligava as minas de Tejuco (atual Diamantina), Vila do Príncipe (atual Serro), Ribeirão do Carmo (atual Mariana), Vila Rica (atual Ouro Preto e antiga capital de Minas Gerais), entre outras, aos portos de Paraty e Rio de Janeiro. Ele é conhecido como um dos traçados da Estrada Real e seus 800 km foram considerados a principal via de tráfego do Brasil colônia (GOULART, 2000  apud SOUZA, 2017). ↩︎
  93.  Madeira, João Augusto (coord.), Plano de manejo Parque Nacional da Serra do Cipó – Área de Proteção Ambiental Morro da Pedreira.  ↩︎
  94.  Essas baixadas são conhecidas pelos moradores locais como “as areias” ou “zareias”. Se tratam de solos beira-rio essencialmente arenosos, freqüentemente inundáveis, muito utilizados no passado para a plantação de arroz: “o que atraiu a freqüência de capivaras, que se multiplicaram e atualmente são vistas com muita facilidade” (HIDROGRAFIA, 2021). Solos aluviais também caracterizam a primeira porção do rio Jaboticatubas, à jusante das cachoeiras que descem a serra, em São José da Serra (MADEIRA, 2009). ↩︎
  95.   Santos, Altair Sancho Pivoto dos, Territórios de “vida” e de “morte”:  um olhar sobre os conflitos territoriais associados ao Parque Nacional da Serra do Cipó, MG. ↩︎
  96.  O afluxo de turistas já era grande na metade do século XX, e se intensificou na década de 1980, com o asfaltamento da estrada que liga Lagoa Santa a Cardeal Mota e a criação do Parque Nacional (SOUZA, 2017). ↩︎
  97.  Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, criado em 1989. ↩︎
  98.  Também é comum na região a cultura das cavalgadas, muitas das quais utilizaram, por muito tempo, roteiros no interior do Parque, como Cachoeira das Braúnas, Serra das Bandeirinhas e Casa dos Currais (MADEIRA, 2009). ↩︎
  99.  Organização não governamental, sem fins lucrativos, criada em 1994 por agricultores organizados a partir do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Turmalina – MG. ↩︎
  100.   Catálogo de Sementes Crioulas do Alto Jequitinhonha (Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica). ↩︎
  101.  A pesquisa está inserida no programa de Mestrado em Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.  ↩︎
  102.  Entre as variedades cultivadas no Vale do Piancó predominam as sementes conhecidas como “vermelho tradicional” ou “vermelho Maranhão” e “cáqui” (PEREIRA, 2004; PEREIRA; MORAIS, 2014). ↩︎
  103.  Diniz Filho, Edimar Teixeira, Práticas agroecológicas na produção de arroz vermelho no Vale do Apodi-RN. ↩︎
  104.  De acordo com Borges et al. (2012) muitas das máquinas são rudimentares e apresentam problemas de regulagem, promovendo perda de grande parte do pericarpo vermelho. O armazenamento, em muitos casos, também é precário, prejudicando a qualidade do produto. Entre a população, atualmente, verifica-se a preferência pelo arroz mais “branquinho”, menos característico e de menor valor nutricional. O descarte do beneficiamento é aproveitado pela indústria local de criação de galinhas, com alta demanda e bom mercado. ↩︎
  105.  Apesar do contato direto dos grãos com o ar e o ambiente externo, que podem influenciar no tempo de conservação e na qualidade, o produto exposto à granel é mais aceito pela população consumidora, que prioriza o “pegar”, “olhar” e “sentir” o aroma do grão, além desse sistema possibilitar a compra de quantidades menores ou não pré-estabelecidas (BORGES et al., 2012). ↩︎
  106.  Ervolino (2013) discutiu em seu trabalho o processo de tentativa de implantação da IG – Indicação Geográfica para o arroz vermelho do Vale do Piancó, retratando a pouca sensibilidade das instituições envolvidas em relação às necessidades básicas e desafios da produção, a ausência de um processo capaz de envolver os agricultores e a imposição de um “modelo de modernização” que torna os sistemas agrícolas dependentes de tecnologias e insumos gerados pelo setor industrial. ↩︎
  107.  Arolink & Assessoria, Estiagem prolongada causa prejuízos às lavouras de arroz vermelho no Vale do Piancó, 19/06/2013. ↩︎
  108.  Borges, Shara Regina dos Santos, Proposição de um modelo para a cadeia produtiva do arroz vermelho da Paraíba, p.357. ↩︎
  109.  Ibidem, p.161. ↩︎
  110.  Planeta arroz, Vermelho em foco, 05/02/2015. ↩︎
  111.  Diamante online, Governo presta assistência a agricultores na produção de arroz vermelho no Vale do Piancó, 06/04/2017. ↩︎
  112.  Diamante online, op.cit. ↩︎
  113.  Vale do Piancó Notícias, Santana dos Garrotes continua líder na produção de arroz vermelho e agora investe no algodão orgânico, 01/06/2021. A monocultura do algodão já foi, durante muito tempo, a maior fonte de renda dos sertões nordestinos, perdurando até a década de 1970, quando as sucessivas baixas de preço e a praga do bicudo provocaram a decadência da atividade no Nordeste brasileiro. O cultivo se baseava no trabalho dos agricultores em regime de meia ou terça dentro dos grandes latifúndios, e é lembrado como um período de “cativeiro” pelos agricultores, onde o uso da terra e o trabalho eram controlados pelo patrão (SANTOS, 2016). ↩︎
  114.  Ribeiro, Eugênia, Lançada primeira cultivar de arroz vermelho desenvolvida no Brasil. Muito antes disso, a partir dos anos 60, variedades de arroz-branco semi-anão, com genes do arroz IR8, das Filipinas, foram introduzidas para pesquisas na região e acabaram cruzando com as variedades locais, dando origem a duas cultivares (selecionadas pelos agricultores) bastante utilizadas atualmente na região (PEREIRA; MORAIS, 2014). ↩︎
  115.  Ibidem. ↩︎
  116.  Governo da Paraíba, Produtores do Sertão comemoram colheita do arroz vermelho, 2020. ↩︎
  117.  Ibidem. ↩︎
  118.  Ribeiro, Eugênia, op.cit. ↩︎
  119.  Oliveira Neto, Aroldo Antonio de, A cultura do arroz, 2015. ↩︎
  120.  Ibidem. ↩︎
  121.  Em 2005, 24 agricultores fundaram a Associação dos Produtores de Arroz do Vale do Apodi – APAVA, que em 2011, contava com mais de 80 associados. Por volta de 2008, a associação já destinava sua produção de Arroz Vermelho aos mercados do PAA/DOAÇÃO, FORMAÇÃO DE ESTOQUE e o PNAE, além de feiras e eventos, comercializando através da Cooperativa da Agricultura Familiar de Apodi – COOAFAP.  ↩︎
  122.  Apodi é o município com maior participação no PAA no Rio Grande do Norte, responsável por aproximadamente 80% das operações no estado. Isso se deve, em parte, à presença de uma forte organização da agricultura familiar e pela convergência sinérgica de instituições públicas e privadas com projetos importantes com enfoque no desenvolvimento local e regional sustentáveis (ROZENDO, 2017). A venda do produto para as escolas e instituições contribuiu para melhorar a autoestima dos produtores e para “liberá-los”, em parte, de uma lógica de venda baseada na desqualificação sistemática da produção “como estratégia para formação de preços” (ibid.). A partir do trabalho de Rozendo (2017), é possível compreender, em parte, as dificuldades desse processo. Nas primeiras aquisições de arroz-vermelho, uma  grande quantidade do produto foi adquirida pelos órgãos e doada de uma só vez às entidades beneficentes, sobretudo as escolas, que acabaram restringindo as refeições a esse alimento, gerando uma certa recusa da parte das crianças. Um trabalho de capacitação das cozinheiras e de incentivo à elaboração de novas receitas gerou resultados positivos, melhorando a aceitabilidade e garantindo a comercialização. Em 2012, o programa do PAA foi bloqueado e passou por mudanças importantes na regulamentação, sobretudo em relação às exigências sanitárias e fiscais, impedindo a comercialização de vários produtos (uma redução de quase 90%), com exceção do arroz-vermelho. Ainda assim, a doação via PAA continua sendo a única forma de acesso a alguns alimentos que, embora sejam produzidos em grande quantidade na região, têm um custo muito elevado para as famílias beneficiárias, contribuindo para ressignificar o papel de agricultores e agricultoras como agentes fundamentais da segurança alimentar e promotores do desenvolvimento. ↩︎
  123.  Na região do Vale do Apodi, semelhante ao que aconteceu no Vale do Rio do Peixe, na Paraíba, variedades comerciais de arroz-branco desenvolvidas com genes do arroz IR8, das Filipinas, foram introduzidas a partir da década de 70 por órgãos e agências de pesquisa, plantadas por agricultores na entressafra. As novas sementes se cruzaram com as variedades tradicionais dando origem a híbridos, selecionados pelos agricultores, que passaram a ser, então, bastante utilizados, além de terem sido coletados para servirem de base para pesquisa e desenvolvimento de novas cultivares. ↩︎
  124.   Oliveira Neto, Aroldo Antonio de, op.cit. ↩︎
  125.  Xavier, Oscar, Área plantada de arroz diminui 50% no interior do RN, 16/07/2017. ↩︎
  126.  Durante um período de cerca de 40 dias, um proprietário local de máquinas, colhe em torno de 20 mil quilos por dia, dos quais recebe 3 mil quilos, ou 15% do total (XAVIER, 2017). ↩︎
  127.  Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo Xavier (2017). ↩︎
  128.  Só no Vale do Apodi foram distribuídas 27 toneladas de sementes, para um total de 104 produtores. Foram plantados 207,7 hectares, que totalizaram 1.038.461,5 kg de arroz colhidos (VALE DO APODI, 2018). O agricultor beneficiário do Programa se compromete a devolver, após o plantio, entre 50 a 100% das sementes que recebeu, para ampliação ou reposição do estoque, de acordo com a decisão dos próprios agricultores do Banco, em assembleia. No caso de estiagem, o Governo do Estado pode decidir realimentar o estoque onde não houve reposição, com novos investimentos. Também, anualmente, há a possibilidade de inclusão de novos Bancos de Sementes, como também de cancelamento (PROGRAMA BANCO DE SEMENTES, 2020). ↩︎
  129.  Andrade, Hugo, Safra melhora e produtores colhem 20 mil quilos de arroz vermelho por dia em Apodi, no RN, 08/07/2018. ↩︎
  130.   Araújo, Robson, Programa Estadual de Sementes Crioulas garante a produção de alimentos saudáveis; 14/12/2020. A aquisição e a distribuição de sementes crioulas implementadas pelo Governo do Rio Grande do Norte se transformou em política pública, amparada pela Lei Estadual Nº 10.852/21. Cf. https://youtu.be/WRf0b2x3m4E  ↩︎
  131.  A recomposição dos estoques familiares e comunitários de sementes crioulas faz parte da estratégia inicial do Programa Estadual e as sementes são adquiridas das famílias para distribuição nos próprios territórios, com o intuito de ampliar o uso desse tipo de material vegetal extremamente adaptado às condições climáticas locais. O Programa Estadual de Sementes Crioulas está inserido no contexto do Programa Estadual de Compras da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Pecafes) e permite que o Governo do Estado compre as sementes de cooperativas, associações e outras organizações da agricultura familiar que detenham a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP Jurídica) (ARAÚJO, 2020).  ↩︎
  132.  Oeste em Pauta, Produtores de Apodi ampliam área de produção de arroz e esperam colheita recorde, 12/03/2021. ↩︎
  133.  De acordo com o jornal Oeste em Pauta (2021), o empresário dono da empresa de beneficiamento Brenol Eireli plantou mais de 200 hectares em 2021 e tem a meta de atingir 400 hectares nos próximos anos.  ↩︎
  134.  Costa, Marcos, Município de Apodi é destaque na produção de arroz vermelho em 2021, 14/07/2021. ↩︎
  135.  A disputa pela água foi acirrada com a chegada do agronegócio na região, responsável pela perfuração de grande quantidade de poços com profundidades e vazão muito superiores às dos poços utilizados pela agricultura familiar, ultrapassando a capacidade de reposição da natureza e causando o rebaixamento do lençol freático (SOUZA, 2016). Essas operações afetam diretamente a produção agrícola camponesa já comprometida pela estiagem prolongada dos últimos anos. Apesar da abundância natural de água no município, há uma grande desigualdade em seu acesso e, enquanto as atividades do agronegócio contaminam e secam os poços, os pequenos agricultores sofrem com a exigência de outorga para uso desse recurso, comunidades passam a ser abastecidas por carro pipa para consumo e produtores precisam comprar água para dar de beber aos animais (Ibidem). ↩︎
  136.  Oliveira Neto, Aroldo Antonio de, op.cit; p.67. ↩︎
  137.  Entre as receitas, o “risoto sertanejo de arroz vermelho com carne de sol”, o “cookies de arroz vermelho com banana e coco” e o “bolo de arroz vermelho com especiarias” (EMATER-RN, 2021). ↩︎
  138.  Em 2011 o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE-RN considerava o desafio de “estimular o consumo interno do produto”, tornando-o ”mais atrativo aos olhos e paladar dos potiguares”. A motivação acompanhava os resultados positivos dos testes de plantio das variedades melhoradas, através do Projeto Arroz do Apodi, que ofereceu capacitações para famílias produtoras do Assentamento Lagoa do Saco (MONTEIRO, 2015). ↩︎
  139.  A região da Chapada do Apodi convive, desde o final da década de 80, com o avanço do agronegócio através da instalação do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi (PIJA) no lado cearense da Chapada, e os Perímetros Baixo-Açu e Tabuleiro de Russas em suas imediações, nos lados potiguar e cearense respectivamente. Esses projetos estimularam a chegada de empresas de fruticultura irrigada, que vêm causando grande impacto nas formas de manejo do solo e da biodiversidade, além de modificar também as relações sociais e desestruturar os modos de vida locais (SANTOS, 2016). ↩︎
  140.  Santos, Emanuelle Rocha dos, Agricultura familiar camponesa e agroecologia em Apodi/RN – caminhos e desafios em contexto de conflito ambiental. ↩︎
  141.  Um destes guardiões é o Sr. Antônio Rosário, conhecido como Golinha, morador do Assentamento Tabuleiro Grande, na região da Chapada. Reconhecido em todo o Nordeste pela grande quantidade de sementes crioulas e nativas que conserva e pelos seus conhecimentos sobre as plantas, Golinha guarda, há 4 gerações, as sementes deixadas por seu pai, desde seu tataravô, que já somaram mais de 600 espécies, presentes há mais de 360 anos na família. Nos últimos anos de estiagem, perdeu muitas delas, que secaram após o plantio ou perderam a viabilidade. Uma importante estratégia foi adotada, com a utilização de  pequenas irrigações nos quintais para a reprodução das sementes, reafirmando a importância das tecnologias de pequena escala para o acesso à água (SANTOS, 2016). ↩︎
  142.  Diniz Filho, Edimar Teixeira, Práticas agroecológicas na produção de arroz vermelho no Vale do Apodi-RN. A produção orgânica e agroecológica do arroz é uma realidade para alguns produtores em Apodi e Felipe Guerra, trazendo benefícios importantes para os agricultores e para o meio ambiente. ↩︎
  143.  Na classificação que deu nome ao gênero Oryza, Linnaeus (1707-78) registrou apenas o arroz asiático Oryza sativa, o que permaneceu inquestionável, mesmo com o avanço da pesquisa sobre o arroz no oeste da África, durante todo o século XIX (CARNEY, 2001; 2004). ↩︎
  144.  Evidências botânicas apontam para um possível marco da domesticação do Oryza glaberrima entre 3.500 e 4.500 anos atrás, possivelmente na região dos terrenos alagados do Mali, de onde partiu a difusão da espécie  (CARNEY, 2001; p.8). Somente nos anos 70, quando o cultivo da variedade asiática já estava uniformemente substituindo a O. glaberrima na África, o botânico francês Portères (1976) identificou o centro de domesticação dessa espécie, considerada a região do delta do Rio Níger, na Nigéria. São apontados também dois centros secundários de domesticação: um localizado nas áreas alagadas do Rio Gâmbia, entre os rios Saloum e Casamance, no sul do Senegal, e o outro, no Planalto da Guiné, entre Serra Leoa e a Libéria. Durante o trato de escravos este cereal foi plantado ao longo da costa que vai do Senegal até a Costa do Marfim e adentrou até o Lago de Chad no país de mesmo nome (CARNEY, 2004). ↩︎
  145.   Pereira, José Almeida, Os arrozes vermelhos Oryza glaberrima Steud. e Oryza sativa L.; p.14. ↩︎
  146.  Carney, Judith A. op.cit. A introdução das novas sementes foi lenta e contrária a uma profunda resistência local, que persistiu ainda por décadas. De um lado estavam milênios de história ligadas a um alimento de valor cultural e de grande importância na subsistência da população; do outro, a mola propulsora dos interesses comerciais. Técnicas e instrumentos de produção do arroz africano adaptaram-se perfeitamente ao arroz asiático e tornaram-se relativamente conhecidas no chamado “sistema atlântico”. ↩︎
  147.  Trabalho executado pelos escravos, para a própria alimentação e dos tripulantes, como demonstrou Carney (2004), quiçás de arroz em casca cultivado por membros da sua própria comunidade ou de vizinhos. ↩︎
  148.  O trabalho de Judith Carney (2004), baseado no relato de cronistas e viajantes da época, assim como de referências da tradição oral muçulmana, evidencia a prática do transporte de grãos de arroz por mulheres africanas em seus cabelos, durante o tráfico de escravos pelo Atlântico. Essas escravas faziam um esforço deliberado de esconder os grãos de arroz com o objetivo de manter sua sobrevivência e a de seus filhos. Quando chegaram às Américas, muitas dessas mulheres iniciaram pequenas lavouras para a subsistência de seus núcleos familiares e comunitários, com as sementes que trouxeram ou que lhe foram fornecidas. (CARNEY; MARIN, 1999; CARNEY, 2004). Carney também chama atenção para o fato de que séculos de escravidão transatlântica resultaram em repetidas “entregas” de espécies alimentícias africanas para as Américas, dando a oportunidade aos escravos de estabelecerem suas preferências alimentares nesse novo território (CARNEY, 2004; p.3). Fora do Brasil, o cultivo do arroz esteve presente também nas roças de subsistência de escravos que trabalhavam nas plantações de cana-de-açúcar na Jamaica, assim como nas plantações de algodão no sul dos Estados Unidos. ↩︎
  149.  Anúncios sobre a venda de escravos especializados na produção de arroz, datados de 1760 e 1785, assim como outros registros da associação entre os escravos da Guiné e o cultivo do arroz-vermelho no Maranhão são discutidos no trabalho de Barroso Júnior (2011). O conhecimento sobre técnicas específicas da produção do arroz dos povos da costa africana, na figura dos povos que foram trazidos como escravos, foram fundamentais para a existência de uma produção de exportação nos latifúndios do Maranhão. ↩︎
  150.  O mesmo pode ser dito para a relação dos colonizadores com a cultura dos povos indígenas. O conhecimento relativamente recente sobre as espécies e variedades nativas de arroz brasileiro (que, em muitos casos, também foram chamadas de arroz-vermelho); as referências esparsas sobre o consumo destes grãos por populações autóctones, assim como do cultivo do arroz pelas mesmas (já com a finalidade de troca com os novos habitantes) e a grande influência recíproca entre africanos e indígenas nos territórios de fronteiras, quilombos e florestas, são indícios pouco explorados para uma verdadeira “história do arroz brasileiro”. ↩︎
  151.  Pereira, José Almeida, O arroz-vermelho no Brasil; p.21; ↩︎
  152.  A partir de 1960, a questão da qualidade, do nivelamento e da padronização do arroz adquiriu um papel central nas discussões dos países membros da Comissão Internacional do Arroz (criada em 1948, durante a quarta Conferência da FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), pois representava uma condição fundamental para facilitar o comércio internacional e viabilizar acordos (FERREIRA; PINHEIRO; SOUSA; MORAIS, 2005; p.17). A criação de padrões de qualidade para o arroz, em consequência, estabelece estratégias específicas de melhoramento, levando à criação de cultivares para as diferentes demandas da sociedade, do mercado e da indústria (Ibidem; p.56). ↩︎
  153.  Em meados de 1980, a maior parte da produção de arroz no Brasil (cerca de 80%) era adaptada ao sistema de sequeiro, ou de “terras altas”; o que passou a representar 40% em 1999 e menos de 20%, atualmente. No início da sua introdução, as cultivares modernas apresentaram problemas na colheita e na comercialização, pois os produtores não possuíam equipamentos adequados para colher o novo tipo de planta, com porte reduzido e elevado número de perfilhos (FERREIRA; PINHEIRO; SOUSA; MORAIS, 2005; p.29). A tecnologia de beneficiamento da época também era inadequada para o tratamento do arroz longo fino que, poucos anos mais tarde, terminaria por se impor à preferência do consumidor brasileiro (Ibidem; p.34). Essa nova fase acompanha também importantes modificações nas lavouras, como a implementação de técnicas de sistematização do solo, mecanização de colheita, controle químico de plantas daninhas e adubação nitrogenada (Ibidem; p.25). ↩︎
  154.  Como indica Pereira (2002; p.151-152), a partir de 1970, o sistema de plantio mecanizado do arroz de sequeiro se expandiu pelo Brasil Central, que passava a exercer papel preponderante na produção de grãos do País. Em virtude da sua rusticidade e boa adaptação a solos com elevados teores de óxido de ferro e alumínio, limitante para outros cultivos, o arroz foi utilizado na abertura de novas áreas para o estabelecimento das culturas da soja e do milho. Três décadas depois, os avanços nas pesquisas já haviam conseguido viabilizar o cultivo do arroz em áreas onde havia-se plantado sucessivamente a soja (Ibidem; p.153-154). ↩︎
  155.  As “vantagens” das cultivares melhoradas são relativas, pois, além da maior dependência de água, possuem ciclos reprodutivos mais longos do que as tradicionais, sofrem mais a competição com ervas daninhas e arroz espontâneo, devido ao porte mais baixo das plantas e são igualmente suscetíveis ao acamamento, quando plantadas em solos com altos teores de matéria orgânica, quando recebem doses elevadas de adubo nitrogenado ou quando são utilizadas densidades excessivas de sementes. ↩︎
  156.  Ao serem patenteadas, as sementes (“descobertas” ou desenvolvidas) passam a ser tuteladas por regulamentos e acordos internacionais que garantem os “direitos do obtentor”, restringindo ou proibindo o livre uso e a troca. Com isso passam a ser comercializadas, como qualquer outra mercadoria. As cultivares desenvolvidas pelas pesquisas ganham números de série e de registro (em alguns casos, “apelidos” mas atrativos) e passam a compor “listas de recomendação”, constantemente atualizadas para cada região. ↩︎
  157.  Mudanças de preferência de consumo relativamente recentes, que contaram com “um bem sucedido programa de marketing” (FERREIRA; PINHEIRO; SOUSA; MORAIS, 2005; p.54) e acompanharam as demandas do mercado mundial de exportação. ↩︎
  158.  A salinização dos solos, induzida pela atividade de irrigação, é um problema ainda maior em áreas de baixa precipitação pluviométrica, como no Semiárido. Seus impactos podem causar perdas irreparáveis na capacidade produtiva dos solos, tornando estéreis grandes extensões de terras cultivadas. Em solos prejudicados, os bons resultados da atividade agrícola passam a depender de práticas de manejo para redução da salinidade, consideradas dispendiosas, demoradas e, às vezes, impraticáveis, ou ainda, pelo emprego de técnicas de melhoramento genético, a fim de selecionar genótipos tolerantes ao estresse salino (COSTA, 2014). Dessa forma, mais uma vez, os esforços se dedicam em resolver problemas visando garantir a aplicação de um único modelo produtivo, ao invés de modificar ou diversificar esse mesmo modelo e as expectativas sobre a produção. ↩︎
  159.  Em 2013, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina – EPAGRI lançou para o mercado brasileiro uma variedade de arroz-vermelho de grãos longo-finos, obtida pelo método de seleção de linha pura a partir de germoplasma de arroz-vermelho espontâneo obtido em lavouras de arroz-branco no próprio estado (PEREIRA, 2014; p.33). Em 2014, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA registrou as duas primeiras cultivares de arroz-vermelho desenvolvidas a partir de hibridação artificial no Brasil, uma das quais disponibilizada no mercado, em 2018; indicada para cultivo nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba (Ibidem). A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ) anunciou, em 2020, o registro da primeira cultivar de arroz-vermelho recomendada para o cultivo em sistema de sequeiro irrigado para a região Sudeste do Brasil. O mesmo tipo de iniciativa acontece em relação ao arroz africano, com estudos que buscam “desenvolver novas variedades de arroz capazes de responder melhor aos crescentes estressores ambientais e ajudar a resolver os desafios da fome mundial” (LITTIN, 2014; tradução livre). ↩︎
  160.   Carvalho Leite, Luiz Fernando, Apresentação para Pereira, José Almeida, As Variedades de Arroz Vermelho Brasileiras. O argumento da demanda crescente do mercado consumidor da região Sudeste, em relação às perspectivas do produto nordestino, é frequente nas discussões sobre o arroz-vermelho. Até então, são as próprias empresas do Sul e do Sudeste a oferecerem uma “resposta” a esse aumento de interesse no produto. ↩︎
  161.  Ferreira; Pinheiro; Sousa; Morais, Qualidade do arroz no Brasil: evolução e padronização; p.57. ↩︎
  162.  Catálogo…, op.cit. ↩︎
  163.  Ibidem. A experiência do Rio Grande do Norte, com o Programa Estadual de Sementes Crioulas precisa ser acompanhada de perto e multiplicada para outros territórios. ↩︎

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *