Baru

Sinônimos: cumbaru, cumaru, cumarurana, coco-feijão, coco-pereba, pau-cumaru, barujo, emburena-brava
Nome científico: Dipteryx alata
Área geográfica: ocorre no Cerrado e em áreas de floresta estacional semidecidual, sobretudo nos estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Pode ser encontrada também, em menor frequência, no Maranhão, Tocantins, Pará, Rondônia, Bahia, Piauí e norte de São Paulo. Fora do Brasil ocorre na Bolívia e, de forma bem rara, no Paraguai.

O baru é o fruto do baruzeiro, uma árvore nativa do Cerrado brasileiro, da família das leguminosas. É uma árvore imponente, de copa densa e viçosa, que pode alcançar mais de 20 m de altura. Produz um fruto amarronzado, com casca fina, irregular e opaca (pericarpo), seguida de uma camada espessa de polpa macia e esfarelenta (mesocarpo). Após a polpa, uma outra casca dura e lenhosa (endocarpo) protege a semente, ou castanha, também marrom, tendendo ao escuro, de mais ou menos 2 cm. As castanhas são ricas em proteínas, fibras e minerais, são saborosas e crocantes quando torradas. A polpa, ou endocarpo, também é comestível, aromática e com sabor adocicado, muito apreciada pelos animais. 

A árvore representa um recurso natural de grande importância para os habitantes dos territórios onde ocorre, valorizada por sua excelente madeira e como fonte de alimento e sombra para criação de animais nos pastos; mas também na medicina popular, na alimentação e como alternativa de renda para a atividade extrativista. 

O baru está presente no Cerrado de forma irregular, geralmente na fitofisionomia denominada Cerradão, popularmente chamada de terra de cultura, onde o solo é mais rico, podendo apresentar grandes concentrações em algumas áreas e ausência quase total em outras. A espécie é reconhecida como indicadora de solo com bons níveis de fertilidade natural e contribui para a fixação de nitrogênio.

Ao contrário da maioria dos frutos carnosos, o baruzeiro apresenta floração e frutificação durante a estação chuvosa e dispersão dos frutos na estação seca, geralmente no período de setembro a outubro. A renovação das folhas, quando ocorre, é tardia e acontece durante o período de estiagem. A produção de frutos é irregular, sendo bastante comum as árvores que apresentam intensa frutificação em um ano não terem boa produção no ano seguinte (tiram uma safra de “descanso”). Uma boa safra pode render mais de 150 kg de frutos por árvore, sendo que cada fruto produz uma única semente. A semente corresponde a cerca de 5% do peso do fruto, o que faz com que cada árvore renda em média 7,5 kg de sementes.

Em vários locais da região do Cerrado, é comum encontrar baruzeiros adultos nas pastagens. A árvore fornece uma ótima sombra e um complemento alimentar para o gado, sobretudo durante as estações de seca, quando a forragem dos campos é reduzida. Os animais ingerem toda a polpa do fruto (mesocarpo) e eliminam o endocarpo duro intacto, geralmente debaixo das árvores e nas outras áreas onde permanecem para ruminar, podendo contribuir, dessa forma, com a dispersão das sementes.

Além do gado, outros animais como macacos, araras, roedores e morcegos transportam os frutos para se alimentarem da polpa, raspando toda a camada superficial e descartando a semente, aumentando o seu potencial de germinação. Suas flores são apreciadas por várias espécies de abelhas, em especial a mamangava (Xylocopa suspecta), que visita um elevado número de flores, em curto período de tempo, garantindo o fluxo de pólen necessário para a frutificação.

A madeira do tronco é compacta, de cor clara e naturalmente resistente a fungos e cupins, o que estimulou, em muitos casos, o uso predatório da espécie, levando a sua quase extinção em algumas áreas. 

As sementes, ou castanhas do baru, passaram a ser bastante divulgadas a partir dos anos 80 e, de forma mais intensa, nos últimos 20 anos, com a publicação de pesquisas que revelaram suas propriedades nutritivas e funcionais, assim como a participação de cozinheiros, produtores e cooperativas em eventos de gastronomia e da agricultura familiar. Isso motivou um aumento da atividade extrativista e do cultivo da planta, antes realizada por poucas famílias e para consumo próprio ou restrito localmente, permitindo a geração de renda para agricultores e coletores em diversas regiões.

Antes destas pesquisas, eram comuns os relatos de moradores e agricultores alegando que o consumo do baru pode causar “perebas” (daqui o surgimento de uma das alcunhas para o fruto, o de “coco-pereba”). Este importante saber tradicional se confirmou por meio de pesquisas científicas que associaram as reações de erupções, ou intumescências na pele com a presença de fatores antinutricionais (inibidores de tripsina e ácido fítico) contidos na amêndoa do baru em seu estado natural. Estes efeitos são insignificantes ou ausentes quando a semente é torrada, sendo essa a forma ideal para seu consumo.

O conhecimento popular em relação às propriedades medicinais do baru é bastante difuso em comunidades tradicionais de alguns territórios, onde são associadas à efeitos depurativos e aplicadas no tratamento de inflamações da articulação, da osteoporose, no combate à pressão arterial e como estimulante e “afrodisíaco” natural. 


O baru, quando maduro, cai naturalmente das árvores e deve ser coletado do chão, o mais rapidamente possível. A atividade exige um grande esforço físico; os catadores permanecem quase o dia inteiro encurvados, muitas vezes sob sol quente. Selecionam-se apenas os frutos íntegros, sem sinais de apodrecimento e que não tenham sido roídos por animais, reunindo-os em sacos, balaios, cestas ou outros recipientes. É importante deixar uma parte dos frutos sadios no terreno, para permitir o acesso aos animais silvestres e a manutenção natural da espécie. O transporte da colheita é feito a pé, de bicicleta, veículos automotores ou com a ajuda de animais. O baru pode ser processado imediatamente ou armazenado inteiro em local seco e arejado, por cerca de um ano ou mais.

O beneficiamento é feito, na maioria dos casos, de forma bastante artesanal. O mais comum é a retirada da castanha com a ajuda de guilhotinas construídas com foices,  facões ou machados, adaptados a um suporte de madeira. Após o corte da casca, as castanhas são retiradas manualmente e, dessa forma, usadas para produção de doces, paçocas, torradas para consumo ou enviadas ainda cruas para as cooperativas e associações. 

A torrefação das amêndoas é feita em tachos, panelas ou fornos, muitas vezes utilizando os próprios resíduos da quebra do baru para alimentar as fornalhas. É importante manter a temperatura abaixo de 90ºC, para evitar a perda excessiva de nutrientes, principalmente vitaminas, e mexer constantemente para conseguir um resultado homogêneo. O ponto da torra é definido pela análise visual (escurecimento das amêndoas e estriamento da casca) e sensorial (sabor e textura crocante). 

Para retirada e utilização da polpa, também comestível e de grande valor nutricional, é preciso selecionar os melhores frutos, lavá-los, sanitizá-los, secá-los ao sol ou em estufas e, em seguida, raspar a polpa de forma manual ou com despolpadeiras mecânicas. A polpa seca, torrada ou desidratada, tem bom valor nutricional, e pode ser usada na alimentação humana e de animais, enquanto a mesma massa, úmida e fermentada, pode ser utilizada para a produção de álcool e bebidas destiladas.

Um outro importante subproduto do baru é o óleo, extraído das sementes por processos tradicionais ou prensas mecânicas. Na medicina popular, este óleo é usado no combate ao reumatismo e também como aromatizante para tabaco, enquanto pesquisas constataram suas propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e hipoglicemiantes (estimula a secreção de insulina).

Para a produção do óleo utilizam-se as amêndoas amassadas, partidas ou inteiras, que podem ser trituradas em pilões, liquidificadores ou trituradores para facilitar a extração. No método tradicional, as castanhas torradas e trituradas são misturadas com água e levadas para o cozimento. Nesse processo, a massa se separa, decantando no fundo da panela, enquanto o óleo aflora à superfície, e pode ser retirado com uma concha. Em seguida, o óleo é filtrado e levado novamente ao fogo moderado, para que o restante da água evapore e o óleo “se apure”.

Já a prensagem mecânica é feita sem o cozimento ou torra das amêndoas, com equipamentos industriais (pouco acessíveis para pequenas produções caseiras e comunitárias). Em ambos os processos, o resíduo da extração do óleo (conhecido como “torta”) pode ser aproveitado para a alimentação, sendo que na extração sem o cozimento das castanhas, é necessário proceder a tostagem da torta para desativar as substâncias antinutricionais. Possui alto teor de fibras e proteínas.

Já a casca das amêndoas pode ser usada para a produção de carvão vegetal; utilizada na substituição da brita em calçamentos (devido sua grande resistência) ou misturada com o restante dos resíduos do beneficiamento para a produção de adubo orgânico.

 

Agricultores e Produtores:

Em Paracatu, Noroeste de Minas Gerais, uma figura carismática e generosa é responsável por difundir e valorizar o uso do baru na região. É o senhor Nilo, que há vários anos colhe, processa e vende doces artesanais feitos com o baru pela cidade:  

…fomos criados debaixo dos pés de baru (…) sempre minha mãe fazia para despesa da família [a paçoca de castanha de baru], tinha cuidado de fazer bem feitinha, para nosso café da manhã. Colocava no leite, levava para a escola… É bom para a inteligência da criança. 

Sei Nilo é conhecido pelo doce de baru, uma espécie de “pé-de-moleque” feito com rapadura, leite e baru. No processo, as castanhas são cuidadosamente torradas até “estriarem” (rompimento da película que cobre a castanha), depois passam por uma peneira, num sistema inventado pelo próprio doceiro para descascá-las, usando um ralador. Depois são socadas no pilão e peneiradas novamente, até virarem uma farinha grossa. Em um tacho no fogão à lenha, seu Nilo derrete a rapadura com o leite, cozinha até chegar no ponto e adiciona a farinha do baru. Mistura tudo e leva para a forma para secar. Faz também paçoca, com castanha, rapadura e farinha de mandioca.

Entre as principais regiões produtoras de baru atualmente, encontra-se o Vale do Rio Urucuia, na região Noroeste de Minas. Um território de imensa biodiversidade, formado por diferentes realidades econômicas, sociais, ambientais e culturais; onde convivem propriedades de agricultores familiares e assentamentos de reforma agrária ao lado de grandes propriedades do agronegócio.

Diversas iniciativas de setores públicos e privados atuam na região promovendo projetos e ações voltadas à estruturação da cadeia produtiva do baru, difundindo conceitos de associativismo e cooperativismo, organizando encontros de formação, capacitação e trabalhando temáticas como a da agroecologia e da soberania alimentar. Com a participação de diversas famílias rurais, estes projetos apoiaram a estruturação de fábricas e unidades de produção e facilitaram o acesso à assistência técnica para os produtores e seus empreendimentos. Com a necessidade crescente de se organizar a comercialização e o escoamento dos produtos, nasceu a COPABASE, cooperativa atuante desde 2009 na região. A COPABASE fornece apoio a dezenas de associados, colaborando na implantação de áreas produtivas de fruticultura e apicultura, difundindo práticas extrativistas sustentáveis e viabilizando a agroindustrialização e a comercialização dos produtos em mercados nacionais e no exterior. Dentre estes, destacam-se o fornecimento de produtos de qualidade para a alimentação escolar, por meio dos mecanismos do PNAE (Política Nacional de Alimentação Escolar), contribuindo com o fomento à segurança alimentar e nutricional de jovens e crianças.

Em 2017, foi lançada a iniciativa da Fortaleza Slow Food do Baru do Urucuia Grande Sertão, em parceria com a Central do Cerrado e a COPABASE. A Fortaleza promove atividades de apoio à cadeia produtiva do baru na região, dando visibilidade para o trabalho dos produtores e das cooperativas e buscando aproximar o público das cidades, os cozinheiros, comerciantes, das comunidades tradicionais, assentamentos e núcleos de produção extrativista. 

Outras iniciativas locais incluem a organização da Fenabaru (Festa Nacional do Baru), a criação do Centro de Referência de Tecnologias Sociais do Sertão – CRESERTÃO e o CineBaru – Mostra Sagarana de Cinema, iniciativas que buscam valorizar e dar visibilidade aos saberes e modos de vida das comunidades e incentivar a produção agroextrativista sustentável nos municípios. Ainda, a Prefeitura de Arinos, por meio de um projeto de lei, decretou a cidade “Capital Estadual do Baru”, dando destaque para a produção da castanha, a geração de emprego e renda para os agricultores.

A região do Vale do Rio Urucuia, possui importantes trechos de Cerrado ainda conservados e apresenta grande abundância de frutos nativos em algumas localidades. A valorização dessa biodiversidade local, associada às práticas e saberes das comunidades rurais e tradicionais, representa uma estratégia importante para contrastar o rápido avanço do desmatamento e a implantação dos modos de produção industriais nesse território.

A cidade de Pirenópolis, no interior de Goiás, é provavelmente a pioneira na exploração comercial do baruzeiro. Um trabalho que começou com a ação isolada de algumas pessoas e que deu vida a associações e vários empreendimentos familiares, no município e nas áreas limítrofes, além de projetos envolvendo diversas entidades.

Antes disso, o baru era pouco consumido por moradores da região. A dificuldade para a quebra da casca dura era um dos motivos e, ao que tudo indica, não eram muito conhecidas as possibilidades e as vantagens do processo de torra da castanha. Projetos realizados na década de 90, ajudaram a difundir as experiências de beneficiamento e transformação do baru, com oficinas e cursos de boas práticas. Também foi nesse período, a partir do intercâmbio de lideranças comunitárias de Pirenópolis com a AGROTEC em Diorama/GO, que se desenvolveu e se difundiu o uso da guilhotina de foice para a quebra do fruto, como tecnologia social para produção da castanha do baru.

Com a aproximação de alguns moradores e produtores ao movimento Slow Food, a castanha de baru foi inscrita no catálogo da Arca do Gosto e, em 2004, representantes locais dos produtores participaram do Terra Madre Internacional, evento da rede Slow Food que acontece há cada dois anos na Itália. Em 2006, foi criada a Fortaleza do Baru de Pirenópolis, com o objetivo de valorizar o produto e de aperfeiçoar a coleta, o processamento e a venda da castanha. Nas edições do evento de 2008, 2010, 2012 e 2014, a Fortaleza foi representada por membros da Associação de Desenvolvimento Comunitário de Caxambu (ADCC) e da Comunidade de Bom Jesus. O projeto da Fortaleza perdeu fôlego na região, e não encontra-se mais ativo. No entanto, contribuiu bastante na divulgação e valorização do baru, sobretudo fora da localidade, assim como na melhoria da qualidade de vida e na geração de renda para algumas das comunidades envolvidas. 

Atualmente, o fruto é explorado na região por extrativistas, agricultores familiares, intermediários e processadores de forma não comunitária, respondendo a uma demanda crescente da parte de turistas, restaurantes e mercados de Brasília e Goiânia. As amêndoas costumam ser comercializadas torradas em saquinhos, mas também são matéria-prima para vários produtos como bolos, biscoitos, licores, pães e muito mais, produzidos de forma artesanal pelas famílias, por cozinheiros e empresas locais. Um pequeno grupo de agricultores familiares de Caxambu (município de Pirenópolis) se destaca com uma bem organizada produção, transformação e comercialização de alimentos derivados do baru. De forma menos intensa, a situação se repete na região de Alto Paraíso em Goiás, onde o baru pode ser encontrado em feiras e algumas lojas. 

Experiências para a geração de renda com a utilização sustentável dos recursos do Cerrado têm sido conduzidas em regiões do Mato Grosso do Sul, nas últimas duas décadas. Entre elas, destaca-se o CEPPEC – Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado no Assentamento Andalucia, localizado no município de Nioaque (MS) que, além de processar o baru, possui o próprio viveiro para a produção de mudas. Também nos estados do Tocantins, Mato Grosso, Maranhão, Piauí e Roraima existem iniciativas para o processamento e comercialização do fruto.

Ameaças e oportunidades:

Desde o início da ocupação colonial da região do Cerrado, o baruzeiro é explorado pela sua excelente madeira, utilizada na instalação de cercas (mourões), na construção civil e na produção de carvão vegetal. Situação que, somada ao intenso desmatamento de áreas nativas, queimadas e introdução da agricultura intensiva, colocou o baru em ameaça de extinção. Os ecossistemas onde ocorre, geralmente marcados pela boa fertilidade do solo, são bastante visados pela atividade agropecuária que avança no Norte de Minas, na região Centro-Oeste do Brasil e na porção sul do Pará, Tocantins e Amazonas. A conversão desenfreada dessas áreas para a criação de pastos e plantio intensivo de soja, milho e outras culturas é responsável pela supressão de grandes porções de vegetação remanescentes.

O interesse pelo baru na alimentação é relativamente recente e acompanha um maior conhecimento e divulgação das suas propriedades nutricionais e funcionais, além do seu potencial gastronômico. Essa demanda movimenta, hoje, uma grande rede de comunidades extrativistas, milhares de famílias que encontraram no fruto uma importante fonte de renda, aproveitando a ocorrência natural da espécie em seus territórios. 

Atualmente, o principal destino para as amêndoas de baru é o mercado externo, em específico os Estados Unidos. Ao interno do Brasil, o baru geralmente é vendido para as cidades de São Paulo, Uberlândia, Belo Horizonte, Goiânia e Brasília, onde atende às demandas dos consumidores locais (que compram a castanha torrada nos mercados, feiras e lojas de produtos naturais) e estabelecimentos gastronômicos.

No entanto, apesar da grande importância e potencial, a consolidação da cadeia extrativista do baru ainda apresenta desafios complexos. A crescente valorização e procura pelo fruto gera preocupação para as comunidades tradicionais, cooperativas e entidades ligadas à preservação do Cerrado. Um maior número de pessoas têm buscado na coleta do baru uma alternativa para a fonte de renda familiar, muitas vezes sem o devido conhecimento para o manejo adequado da espécie. Da mesma forma, a atuação dos atravessadores e das empresas que compram o baru pode gerar impactos negativos, interferindo com o delicado equilíbrio dessa atividade.

Estes atravessadores, sejam eles na figura de atacadistas ou atacarejos, dispõem do capital necessário para custear a aquisição dos frutos e a logística de compra e venda, além de, eventualmente, o pagamento do beneficiamento feito pelos coletores. O mesmo ocorre com algumas das empresas que atuam no setor, que buscam a comercialização direta com os coletores e os produtores cooperados (inclusive divulgando nas rádios e em cartazes nas cidades a compra de baru em qualquer quantidade). Além de acabar incentivando a exploração descontrolada dos recursos naturais, essa atitude prejudica o trabalho das cooperativas, comprometidas com os benefícios sociais e ambientais de médio e longo prazo. 

O extrativismo dos frutos nativos também traz à tona a questão do acesso à terra e dos recursos naturais. A maior parte dos coletores não possuem propriedades agrícolas e, muitas vezes, realiza a coleta em áreas privadas, através de acordos com base no sistema da “meia” (onde o proprietário disponibiliza as plantas para o extrativismo e os coletores se ocupam da retirada do fruto, dividindo o total dos frutos) ou do pagamento aos proprietários pelo acesso aos baruzeiros (sendo os coletores responsáveis pela coleta, beneficiamento e venda das castanhas, dividindo o lucro final). Os extrativistas também enfrentam restrições para o acesso à coleta em áreas de preservação ambiental, em alguns casos, criadas em territórios onde a atividade é realizada tradicionalmente há várias gerações. Avanços importantes têm sido alcançados com a criação de Reservas Extrativistas (RESEX), uma grande conquista para algumas comunidades, mas os conflitos ainda persistem em certas regiões. 

Muitos dos entraves mencionados estão ligados ou se reforçam com a pouca disponibilidade de políticas públicas capazes de auxiliar os diferentes âmbitos da atividade extrativista e de fomentar as cadeias de comércio justo e solidário. Um dos programas vigentes a nível nacional é a Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPMBio), que atua garantindo uma subvenção direta para a venda do baru e outros 16 produtos extrativistas de origem vegetal, no caso a venda aconteça a um valor inferior ao determinado pela normativa (preço mínimo). A PGPM-Bio contribui para fomentar a proteção ao meio ambiente, o uso sustentável da biodiversidade e seus recursos, a redução do desmatamento e a minimização dos efeitos das mudanças climáticas. No entanto, muitos agricultores desconhecem ou não conseguem se organizar para acessar esses benefícios, sobretudo devido ao alto grau de informalidade na comercialização. 


O baru é um recurso chave para promover a conservação e a regeneração do Cerrado, assim como garantir a reprodução social dos modos de vida de comunidades tradicionais e agricultores familiares. É preciso criar condições para que os indivíduos, famílias e seus grupos realizem a atividade de extração de forma adequada, incentivando o manejo sustentável da vegetação e a comercialização com base nos princípios do comércio justo e solidário. Mas, antes de tudo, é preciso regulamentar e controlar a grande devastação das áreas remanescentes de vegetação nativa, causada pela expansão da agricultura e da pecuária intensiva. 

Como alimento saudável e saboroso, além de ingrediente versátil para a gastronomia, merece um olhar atento por parte de toda a sociedade, que precisa compreender os desafios dessa cadeia produtiva e valorizar as iniciativas que prezam pelo cuidado ambiental e social associado a esse fruto. 

Usos gastronômicos:

A amêndoa do baru é utilizada na fabricação de paçocas, pé-de-moleque, rapadura, leites vegetais, molhos, pastas, licores, óleo e muito mais. A polpa pode ser usada para produção de sucos, bebidas fermentadas e destiladas, produtos de panificação, doces, temperos e condimentos. O óleo é excelente para temperar e finalizar preparações, grelhar verduras, peixes e carnes, como base para molhos, na produção de biscoitos, pães e muito mais.

A castanha tem alto valor energético e nutricional, sendo especialmente rica em proteínas (cerca de 26%), fibras insolúveis e minerais. Também possui significativo teor de magnésio, cálcio, zinco, potássio, vitamina E, ferro, aminoácidos, ácidos graxos poliinsaturados, compostos bioativos e antioxidantes. Por possuírem uma certo teor de fitatos (substâncias que impedem a absorção de nutrientes), é recomendado consumi-las torradas, assadas ou cozidas. 

A polpa é composta, em sua maior parte, por carboidratos, amido (38%), fibra (29,5%) e açúcares (20,2%). Pode substituir com vantagens o farelo de trigo na fabricação de pães. O óleo é considerado de excelente qualidade como alimento e como matéria-prima para as indústrias farmacêutica e química, em função do seu elevado grau de insaturação.

Indicado por: Luiz Carazza, Kátia Karam e membros da rede Slow Food Brasil.

Texto e pesquisa: Marcelo de Podestá

Referências:


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<https://www.conab.gov.br/precos-minimos/pgpm-bio>. 

CONHEÇA os benefícios do Baru e a história do Senhor Nilo. TV Minas Brasil Paracatu. 08/11/2019. Disponível em: <https://youtu.be/kEIX6WHoVYg>. 

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MAGALHÃES, Rogério Marcos. Obstáculos à exploração do baru (Dipteryx alata Vog.) no Cerrado Goiano : sustentabilidade comprometida?. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável) – Universidade de Brasília, Brasília, 2011. 241 f.  Disponível em: <http://repositorio.unb.br/handle/10482/9231>. Acesso em: 14/11/2021 

NEPOMUCENO, Denise Lúcia Mateus Gomes. O extrativismo do baru (Dipteryx alata Vog) em Pirenópolis (GO) e sua sustentabilidade. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Goiás, GOIÂNIA, 2006; 117 p. Disponível em: <http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/handle/tede/2572>. 

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